6 de abr. de 2019
14 de mar. de 2019
A pequena e a grande corrupção
Em um de seus livros, Plínio de Arruda Sampaio disse que [1]há dois tipos de corrupção, a grande e a pequena; mas que as duas são igualmente perniciosas e imorais, mas que não podem ser combatidas da mesma maneira.
A grande corrupção, mencionada por Plínio, é a que aparece no estardalhaço midiático envolvendo governos federal, municipal, estadual, distrital, políticos, servidores, particulares e heróis que não são de gibis, mas dos que somente enxergam a corrupção do outro.
Não é objeto deste artigo destaca-la, pois, a grande mídia se encarrega de fazê-la; utilizando-se da opressão publicitária, mexendo com os sentimentos alheios, fazendo muita gente acreditar em meias verdades. Foi assim com Lula, a prisão coercitiva e agora com a pirotecnia do powerpoint de Dallagnol.
Irei, no entanto, me ocupar da pequena corrupção, especificamente aquela que está entrelaçada ao contexto eleitoral, seja em campanhas ou em mandatos. Ela é ignorada pela grande mídia, pelo Judiciário e pelas instituições. Ignorada porque nada se faz de forma efetiva e eficaz para combatê-la.
Eu costumo chamar a pequena corrupção de comércio eleitoral. Ela é a espinha dorsal da grande corrupção, isto é, o que se pratica nos municípios do nosso país, de forma intensa ou não. Ele é caracterizado pela troca de voto por bens tangíveis (espécie de escambo), intangíveis (favores) e pela compra de voto (quando o eleitor prefere em espécie). Em minha escrita costumeiramente denomino esse conjunto de comércio eleitoral. Muitos justificam essa prática alegando que “o erro já vem de Brasília”, esquecendo-se que os que estão em Brasília não são eleitos por si.
É necessário que aqueles que queiram mudança procurem compreender o funcionamento do sistema, deixando de lado as ácidas críticas que para nada servem, e servem: para distanciar cada vez mais o cidadão de exercer os seus direitos políticos e dar espaço para coisas que acontecerem este ano, por exemplo, o dia 17 de abril.
Precisa o eleitor brasileiro fazer uma releitura da forma como o político é eleito. E essa releitura deve ser feita partindo do comércio eleitoral de base. Não é revoltando-se, esquivando-se que a coisa vai mudar. Não é discriminalizar a política, partidos, pessoas que as coisas serão resolvidas.
Precisa acabar com essa mania de enxergar a Política a partir das tribunas, das matérias de jornais, revistas, blogs e outros meios; fazendo dela inimiga da sociedade. É necessário conhecê-la na prática para que não se dê espaço para regimes ditatoriais e fascistas.
A mudança tem que vir da base e a base são os municípios, matrizes de todos os candidatos. E o que é que precisa ser mudado? As pessoas. Estas precisam mudar a forma de escolher. Enquanto essa mudança não acontece, as páginas impressas e online sempre trarão a prática da corrupção para as nossas vidas, expondo como muitos dos eleitos tratam-na com naturalidade e o povo com desdém.
É preciso espalhar uma maneira nova de pensar a política, não a partir do que nos oferece a grande mídia e os seus interesses escusos, mas a partir da realidade de cada município. Enquanto isso não acontece, é ilusão achar que “Todo poder emana do povo”.
Os especialistas em suicídio
Tenho lido com certo desconforto “especialistas” que aparecem nas redes criticando de forma agressiva e desumana pessoas que cometeram suicídio ou estão depressivas.
Pessoas que se comportam dessa forma são insensíveis, tolas, prepotentes. Não desenvolveram a empatia, nem fizeram leituras aprofundadas dessa melancólica condição humana.
Ninguém é suicida de um dia para o outro. Tudo tem uma origem, um meio e um fim. As causas que levam uma pessoa ao suicídio são complexas, envolvem muitos aspectos da história psicossocial dela.
Quando você ouvir ou ler coisas negativas tratando desse assunto, não seja um ventríloquo, nem dê importância para elas. O melhor caminho é compreender. E só se compreende estudando, perguntando a quem de fato se dedica ao tema.
Eu, que não sou especialista, nem me atrevo a ser nas redes; li a Inteligência Multifocal do Dr. Augusto Cury e ampliei o meu entendimento sobre o suicida. As pessoas que se acham, que se sentem uma fortaleza, que vociferam sobre isso; deveriam pousar suas línguas, seus pensamentos. Refletir sempre é bom para a alma e o corpo.
11 de mar. de 2019
Pássaros do entardecer
Hoje
estive com Saracura, da Academia Sergipana de Letras, para discutirmos
sobre o seu novo livro, "Pássaros do Entardecer" (título
provisório). Um cheio de belas histórias dos migrantes
itabaianenses, simbolizado pelo "caixão de Europas". Uma
leitura humorada e ao mesmo tempo, séria. Recomendo!
Saracura e a família Marron |
Revendo trechos do livro "Pássaros do Entardecer". |
21 de fev. de 2019
Clara e o cais
Eu
me levantei do
batente de casa,
peguei o boné, botei-o
na cabeça e
saí.
Quando ia na calçada da vizinha, ouvi uma voz fraca perdida e os fonemas se que espalhavam ao
vento.
Era
Clara que
evocava
o
meu nome.
Assim
que se aproximou, cumprimentou-me com um sorriso. A
boca, avermelhada
de batom e
as
pestanas arqueadas, estavam abertas para a vida e
o amor.
Peguei em sua mão. Era cetinosa. Convidei-a para tomar sorvete. Ela
topou, sem
objeção.
Depois
do sorvete, ela se ia rebolando. Os seios, túmidos, arrancavam olhares
dos curiosos. Faceira, ia solta pela rua. Os cílios dos curiosos só
pararam de pousar depois que ela sumiu completamente na esquina da
rua.
E da
esquina ela foi na ponta dos pés toda clara para a beira do cais.
Ela gostava de ver as ondas. Neste dia, Clara
saiu para o amor e
não para as ondas.
O amor que fica no cais. Mas
nesta noite a bela se apagou. Ninguém sabe quem roubou a sua luz.
Lembro-me
da doçura de Clara
quando mexia com os meus olhos e meus pulsos. Quando
aquela boca cetinosa se abria
para a minha, avermelhada,
dona de mim. Ela, a quem eu dedicava meu pequeno amor, agora,
estava
em
alguma seção policial levada pelo vento.
1 de jan. de 2019
A entrevista
Eu toquei a campainha. Ninguém
veio me atender. Então, notei que a porta estava entreaberta. Entrei
silente, dei alguns passos e avistei o professor Lorenzo numa
confortável poltrona. De face serena, degustava com ímpeto o
cigarro e um livro. Nem se importava com a minha presença. Após
alguns minutos, disse:
— O que o
traz aqui?
— As suas
teorias, professor.
— O que
quer saber?
— Sua
opinião sobre os
últimos acontecimentos políticos?
— Ora, os
últimos acontecimentos políticos refletem uma
sociedade que não sabe escolher. De uma população eleitoral
dualista e doente.
— O senhor
poderia ser mais claro sobre o que seriam essas “escolhas ruins”
e essa “população dualista e doente”?
— É
claro! A população eleitoral escolhe de forma ruim quando mercadeja
o voto ou quando vota com raiva e por picuinha. Não leva em conta a
vida pregressa dos candidatos, nem se dar conta que eles são
empregados eletivos, inscritos na Previdência Social. É dualista
porque exige ética, moral, justiça, combate a corrupção, mas
compram objetos piratas, baixam músicas, filmes, livros, software
protegidos por direitos autorais e não se incomodam com isso,
valendo-se de vários pretextos para justificar as suas práticas
ilícitas. Sem falar que no período eleitoral mercadejam o voto.
— Nesse
caso o eleitor brasileiro é um cidadão contraditório, que não
aprendeu a exercer de forma adequada a cidadania. É isso que o
senhor quer dizer?
— Isso mesmo!
— É
necessário que essa população repense as suas práticas, seus
conceitos e vícios. Entender uma coisa simples: eles não são
eleitos por si, nem pelo poder que
emana do povo.
Eles são eleitos pelo poder
econômico.
Eles não representam ninguém e representam a si e os seus
financiadores. Por isso, tantos escândalos. Por isso o impeachment
e
tudo o que ele representa.
— Eles
“não são eleitos por si”, mas “pelo poder econômico”.
Quais os verdadeiros significados dessas frases?
— Eles não
são eleitos por si porque existem eleições a cada quatro anos. As
“escolhas” são dos eleitores num suposto “poder” que vem do
povo. O problema é que o voto da maioria não é coletivo, mas
individualizado, mercadejado. Isso é demonstrado através do poder
econômico onde o voto é simples mercadoria. Essa coisa de querer
solucionar os problemas enxergando as tribunas, formular opiniões a
partir de revistas, jornais tendenciosos, violência é um grave
erro. O eleitor deve formular seus conceitos políticos observando o
espaço onde ele vive e interage. Para isso é necessária uma
reeducação política.
— O senhor
não acha que está trazendo a culpa e responsabilidade para a
população eleitoral de todos os males que vêm acontecendo neste
país, quando na verdade as classes dominantes sempre negaram aos
cidadãos o direito a educação, a saúde e outros serviços
públicos relevantes?
— Esse
argumento é válido em parte
porque o voto é mercadejado em todas as classes, por diferentes
níveis de escolaridade. Por exemplo: o que faz um estudante de
direito fazer esquerdo, isto é, estampar, pedir voto para um
candidato cuja vida política é fraudes e mais fraudes? Veja esses
movimentos que se apresentam anticorrupção, mas dos outros.
— Professor,
sabemos que parte da população vive em condições precárias e, na
maioria das vezes, torna-se o bode expiatório quando o mandato é
ruim. Essa população precisa ser resgatada para que de fato, exerça
a cidadania. Como resgatá-la politicamente?
— Conhecendo-as,
indo aonde elas estão. Ouvindo as suas angústias. Criando núcleos
permanentes de reeducação
política.
— E como seria esses Núcleos
de Reeducação Política?
— Esses núcleos só seriam
possíveis se houver um esforço gigantesco da sociedade civil
organizada não alinhada ao pensamento neoliberal, criando práticas
pedagógicas para reeducar as crianças a partir do ensino
fundamental das escolas, sendo um contraponto aos vícios que elas
trazem do seu convívio social.
— Para concluir esta
entrevista, o senhor tem algo para acrescentar?
— Eu quero
deixar claro o seguinte: eu não estou levantando um estandarte para
as práticas ilícitas, mas questionar o eleitor que critica, cobra;
depois barganha, depois reclama, depois compra produtos piratas,
baixa filmes, músicas e pratica outras coisas ilícitas e percebe
que eles são o espelho de quem os elege. Será que iremos justificar
a prática da corrupção recorrendo a um discurso histórico que não
mais convence? Ou a Freud, como tem gente apontando nessa direção?
E a minha contribuição para o
combate efetivo da corrupção é a criação desses núcleos. É
claro que o efeito não virá de um dia para a noite, mas trará
resultados positivos. Acredito nas crianças e na capacidade de elas
aprenderem que o voto é um bem intangível e por isso, não deve ser
tratado como bem de consumo.
Me calei.
Sem argumento, agradeci pela entrevista, estendi a mão para ele e
fui com a certeza que aquele homem me fez repensar as minhas
opiniões. E tem mais: não havia mácula na vida dele, nem era
simpatizante de algum partido político.
17 de nov. de 2018
Assim que ele se foi, eu também me fui
Uma criança de
cabelos crespos, sem camisa e de short
preto sacudiu o meu braço, me pediu moedas, fazendo-me abrir os
olhos. Aquela criança barriguda, de braços finos, descalça e com
uma remela no olho direito; fez-me perceber pela primeira vez a face
nua de alguém.
Tive ternura e
aversão, mas continuei a monologar, me esquecendo por alguns
instantes dela. O menino não desistiu de mim, nem se dobrou a minha
indiferença. Era um filho da rua que resistia a um homem que não
estava num de seus melhores dias, sem saber quem era.
Não dei o que ele me
pediu, mas aquela voz falida me entrou pelos olhos. Fiquei
envergonhado porque estava sem dinheiro, fazendo-o esperar. Assim que
percebeu, saiu me olhando de soslaio, me achando estranho ou louco,
quem sabe. A minha estranheza tinha nome, idade, tamanho. Isso ele
nunca saberia. E a minha estranheza,
com
o passar dos dias, tomava outro rumo.
Assim que ele se foi,
eu também me fui.
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