29 de out. de 2016

O escritor e a sua participação política e social de seu país

Você acredita que o escritor deve participar da realidade política e social de seu país? E essa participação não criaria uma espécie de conflito para o escritor de ficção? 

Na Idade Média, a arte estava estreitamente ligada a religião, porque a vida era essencialmente religiosa. Hoje vivemos uma época essencialmente política. Sempre digo que até o gesto de se colocar um selo num envelope é um gesto político. Logo, a arte, seja qual for, não pode se distanciar desse universo. Tem que estar impregnada dele e de suas preocupações. Para escrever, o escritor reflete sobre a realidade do mundo onde vive. Refletindo é compelido a lutar de algum modo. Creio que o conflito se estabelece quando esse modo deixa de ser uma escolha para se tornar uma ordem.


STEEN, Edla Van. Viver e escrever: volume 3. 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p.158.
Leia Mais ►

23 de out. de 2016

Uma banda escrava

— O major Ursulino de Goiana fizera a casa de purgar no alto, para ver os negros subindo a ladeira com a caçamba de mel quente na cabeça. Tombavam cana com a corrente tinindo nos pés. Uma vez um negro dos Picos chegou na casa-grande do major, todo de bota e de gravata. Vinha conversar com o senhor de engenho. Subiu as escadas do sobrado oferecendo cigarros. Estava ali para prevenir das destruições que o gado do engenho fizera na cana dos Picos. Ele era o feitor de lá. O seu senhor pedira para levar este recado. O major calou-se, afrontado. Mandou comprar o negro no outro engenho. Mas o negro só tinha uma banda escrava. Pertencendo a duas pessoas numa partilha, um dos herdeiros libertara a sua parte. Então o major comprou a metade do escravo. E trouxe o atrevido para a sua bagaceira. E mandou chicoteá-lo no carro, a cipó de couro cru, somente do lado que lhe pertencia. 

REGO, José Lins. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2003 – Literatura em Minha Casa; v. 3. p. 77.

Leia Mais ►

12 de out. de 2016

Que é um conto? Um romance? Uma novela?


Que é um conto? Um romance? Uma novela?

Começarei pela novela, que é um conto grande e não um romance pequeno. Deixe-me falar aqui que é um dos meus gêneros prediletos e um dos menos exercidos não só no Brasil como no mundo. Há poucas obras-primas, como Morte em Veneza, nesse tipo de literatura. Comecei pela novela, ao publicar Um Gato no Triângulo, em 1953, e há mais novelas que contos em o Pêndulo da noite. No livro Soy Loco por ti, América, há uma novela, “A Enguia”, que considero um dos meus trabalhos de maior embalo. Mas a pergunta é o que é um conto, uma novela, um romance? Ora, o conto é um samba, rock, tango, fado ou bolero. A novela é um prelúdio ou rapsódia. O romance é um concerto ou sinfonia. Como o conto, a novela tem um único tema, a mesma linha melódica, e prende-se à descrição de fatos. O romance pode conter vários temas, em contraponto, e o autor dele participa livremente, comentando, discutindo o comportamento dos personagens e expondo suas idéias ou avançando conclusões.


STEEN, Edla Van. Viver e escrever: volume 3. 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 46-47
Leia Mais ►

17 de set. de 2016

De pais e professores todas as crianças estão cheias


Você tem alguma receita de escrever para jovens? Acredita que um autor precisa ser dotado de um talento específico para produzir bons textos infanto-juvenis?


Acredito que sim, mas não sei qual será. Tenho impressão de que a primeira coisa deve ser o cara tirar a máscara professoral e paternalista. De pais e professores todas as crianças estão cheias, por mais que amem uns e outros. Sobretudo, não deve bancar “o mais velho”, sabedor e ensinador de coisas. Dos mais velhos geralmente os mais novos andam cheios também. Os mais velhos, mesmo ainda jovens, sempre se deram o luxo de desprezar as gerações que os precederam. Bobagem, é claro. Todos se esquecem de que infância e mocidade são acidentes passageiros, que o tempo rapidamente apaga. E que a vantagem não está em ser jovem (fenômeno comum a 80% da população mundial), mas em sobreviver e, consequentemente, envelhecer. (Você já viu que eu procuro puxar a sardinha para o meu lado...) Mas por essa fase e esse preconceito da juventude, que eu também tive no devido tempo, todos nós passamos. É natural que a criança, logo que começa a se libertar das dependências e tiranias imediatas, olhe com desconfiança a autoridade, a coerção, a “mais-velhice”, o “não faça isso” exasperante que vem de todos os lados. O primeiro som humano que chega ao ouvido infantil, quando aquela coisinha maravilhosa ainda não entende palavra nenhuma (apenas barulho de amor, é claro...), é uma palavra curta e incisiva, muito parecida em quase todas as línguas: não. O livro infantil deve deixar a criança no à-vontade da não-interferência e do não-temor dos mais velhos. Nem máscaras, nem pose, nem dedo apontado. Não o “não faça”. E muito menos o “faça”. Se ela tem que aprender (e precisa), faça com que ela aprenda com quem conclui ou descobre por si mesmo. As lições da vida e das histórias (ou estórias, parece que não há mais jeito...) devem ser aprendidas por quem vive (sem ouvir o “eu não tinha dito?”) e por quem lê sem que perceba ter sido aquela a intenção ostensiva ou disfarçada do autor. O autor (penso eu, sei lá!) tem que se sentir criança como os leitores que procura. Pertencer, quanto possível, ao seu mundo maravilhoso e transitório, muito superior ao dos mais velhos, que no fundo são uns chatos. E por falar em chatos, fazer possível para não chatear o leitor.

STEEN, Edla Van. Viver & Escrever: volume 1 - 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p.34.

Leia Mais ►

13 de set. de 2016

O poeta é relações íntimas






Você se lembra de como ou quando descobriu que podia ou queria fazer versos?

 Ser poeta não é uma maneira de escrever. É maneira de ser. O leitor de poesia é também um poeta. Para mim o poeta não é essa espécie saltitante que chamam de Relações Públicas. O poeta é Relações íntimas. Dele com o leitor. E não é o leitor que descobre o poeta, mas o poeta é que descobre o leitor, que o revela a si mesmo.

STEEN, Edla Van. Viver & Escrever: volume 1 - 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.
Leia Mais ►

19 de ago. de 2016

Revista Obvious


A Obvious é uma revista eletrônica que publica artigos, resenhas, crônicas e contos escritos em língua portuguesa nas categorias de arte, cinema, literatura, fotografia, músicas...
Abrange os países como Brasil, Portugal, Angola, Moçambique e outros. Sua página no Facebook tem mais de um milhão de curtidas. Os textos estão bem-dispostos na página, facilitando a navegação.
A parti de hoje (19/08/2016) farei parte do maior projeto colaborativo de língua portuguesa na internet. Meu espaço na Obvious pode ser acessado através deste link: http://obviousmag.org/ronperlim. Para conhece-lo, acesse o texto Sem hora para chegar.

Leia Mais ►

18 de jul. de 2016

Uma pedra no meio do caminho


Muitos dos nossos melhores escritores, desde o início do século XX, passaram a empregar ter com esse sentido em várias de obras. O exemplo mais conhecido, pela polêmica que causou, foi a publicação, em 1930, do poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade (no livro Alguma poesia), em que se repete diversas vezes as palavras “No meio do caminho tinha uma pedra” em diferentes ordens. Foi o suficiente, na época, para os defensores do purismo linguístico babarem de ódio e bombardearem o poeta com todo tipo de acusação grosseira. Em 1967, para marcar os quarenta anos da escrita do poema, o próprio Drummond reuniu o material publicado sobre ele no volume Uma pedra no meio do caminho – biografia de um poema. O gramático Napoleão Mendes de Almeida, por exemplo, se recusou, até morrer (em 1988), a dar o título de poeta a Drummond por causa desse imperdoável “pecado”. Hoje, Carlos Drummond de Andrade é reconhecido, internacionalmente, como um dos maiores poetas do século XX, enquanto Napoleão é apenas lembrado, de modo quase folclórico, como nosso mais extremado purista...

BAGNO, Marcos. Não é errado falar assim! Em defesa do português brasileiro. São Paulo: Parábola Editorial, 2009. p.204.
Leia Mais ►