17 de set. de 2011

Na boquinha da garrafa

Eram três os que na lancha entraram. O primeiro carregava bolsas plásticas contendo quinquilharias, o segundo trazia na mão esquerda uma garrafa de pinga e o último trazia moedas em uma das mãos. Sentaram-se no banco de madeira.

Conversavam algumas coisas, balbuciavam outras, entre risos e irritação. O homem que segurava as moedas se dirigiu para o mais jovem do grupo. Alterado, disse-lhe:

—O que você tá dizendo, seu porra? Caralho!

— Nada não. Tá doido é?

Aquele que segurava a garrafa interferiu, dizendo:

— Vamo pará com essa arenga besta. Seus dois bestas! Vamo toma é mé.

Pegou a garrafa, tomou um gole, passando-a de mão em mão; retornando as suas conversas com frases e gestos curtos. Somente a garrafa, com sua boca circular e áspera, aceitava aqueles beijos bacanais.

O restante dos passageiros deixou as estripulias deles prá lá, voltando-se cada um para seus estados de espírito.

Os rostos eram tão diferentes, as histórias psicossociais, os sofrimentos escondidos no mais secreto do coração, no mais profundo miolo do pote onde ninguém consegue penetrar.

E eu estava incluído neles também. Os via, não com os olhos que lacrimejam, mas com aqueles que não se veem.
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9 de set. de 2011

Dualismo

Se não houver uma conscientização coletiva no fazer político

Se a contradição da facilidade e das exigências políticas não forem desfeitas

Se o voto continuar na balança e a sociedade não se organizar em núcleos de reeducação política

Se a expressão “rouba, mas faz” não for excluída

Se o convencimento pueril de que a corrupção é um elemento cultural

O estardalhaço midiático só venderá

As crônicas não chegarão aos mais simples

E o poder nunca virá do povo, mas de uma relação comercial
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3 de set. de 2011

Pegou carona na fama e publicou um livro

Assisti a um vídeo de um determinado indivíduo que se sentia escritor, desses que pegam carona na fama e resolvem publicar alguma coisa, seguindo aquela ideiazinha que uma pessoa só é completa se plantar uma árvore, parir um filho e escrever um livro.

Esse “escritor”, com ironia e desdém, criticava outros que; segundo ele, se sentiam especiais, intocáveis, julgando-se acima das pessoas como se semideuses fossem. Até a presente data e nas minhas andanças não encontrei nem um desses escritores descritos com as características mencionadas.

A primeira coisa que tenho a dizer a esse tipo de “escritor” é o seguinte: o verdadeiro escritor não se apropria da fama para ser escritor. Ele é apenas escritor. A palavra é o seu instrumento de cultivo diário.

O escritor, o verdadeiro escrito é diferente e nunca melhor que as outras pessoas. Sente as mesmas necessidades fisiológicas que elas. E por que é diferente o verdadeiro escritor? Porque capta a emoção do outro, vivendo-a como se fosse sua; externando-a através da palavra, dizendo o que pensa daquela emoção vivida. Ele é um leitor voraz, nunca esporádico, da própria vida e das vidas que o cerca.

De uma palavra cria um poema, de uma frase uma crônica, um conto, uma novela, um romance. A sua cabeça é úmida de água onde estão as palavras, loucas para serem postas em algum texto.

Por isso esses “escritores” que se apropriam da fama para dar certas declarações não passam de falsos escritores, achando-se conhecedor desse mundo rico de emoções.
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24 de ago. de 2011

As casas se tornaram éclogas

Estava no quintal observando a vida e a sua variada existência. Observava também as coisas inanimadas corroídas pelo tempo que tudo envelhece, que a todos conduz a morte.


As nuvens se tornaram plúmbeas, tirando-me de Sofia. Entrei em casa, olhei de soslaio para mamãe que consertava uma toalha de redendê; dirigindo-se à sala de visitas.

O céu estremeceu espalhando o medo nas ruas, as pessoas se recolheram para as suas casas, Mimi correu para debaixo da cama, mamãe foi às pressas tirar as roupas do varal, faltou energia e eu fiquei vendo o mundo da janela.

Depois de alguns minutos a energia voltou somente em uma das fases. Na quadra em que morava só um poste estava acesso parecendo palco de teatro em meia-luz. Envolto dela, as gotas, os besouros rodopiavam.

Estiou.

Fui à porta, pus a mão na maçaneta e um vento frio possuiu a minha pele. Pouco a pouco as coisas normalizaram: os narizes apontaram nas soleiras, os assentos nas praças tinham novidades de uma árvore que fora partida por um relâmpago, que há muito não se via um toró assim, que algumas ruas ficaram alagadas...

Da porta disse:

— Mãe, vou ali!

— Ali aonde, meu filho? Mal acabou de chover e você vai sair?

— Vou Ali!

E saí sem hora certa para voltar.
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10 de ago. de 2011

Face dupla

Olhai a cara das palavras
e verás
que as suas letras
pulam, mudam de lugar

Penetre no mundo delas
dos sonhos
e verás a variedade das cores.

Mas cuidado porque existem palavras que encolhem
e outras esvaziam o coração
e outras são pedrinhas de areia na língua.

Existe, também, em cada palavra massa.
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6 de ago. de 2011

Deseducação política

Recebi um e-mail de uma amiga. O título que o encabeça é este: A carta, publicada em O Globo. O texto é válido, mas expõe um grito de revolta e de um desespero inútil.


O texto aborda o novo referendo pelo desarmamento, acompanhado da opinião do autor pelo não. Para justificá-la, ele opina que os Governos revoguem as leis atuais; seguidas de sugestões como estas: voto facultativo, dois senadores por Estado, redução pela metade dos deputados federais, estaduais e vereadores; férias de apenas 30 dias para todos os políticos, juízes etc.

Tudo o que estar escrito nesse texto é possível se houvesse uma reeducação política e os eleitores votassem em propostas. É mais fácil criticar os atos dos profissionais da política que enfrentá-los na prática. E a prática é cruel, mesquinha, vil, hipócrita.

Esses textos que só veem a política de cima para baixo deseduca. Ninguém pode criticar, analisar o comportamento do político brasileiro sem antes compreender a forma como ele se elege. Neste país voto é mercadoria. Sendo uma mercadoria sempre iremos ter irresponsáveis no poder, gente desinteressada em legislar. Textos como os que eu recebi e recebo não serve para mim, não vai servir para ninguém.

Esses cronistas deveriam deixar de escrever textos que não servem para nada. Deveriam escrever textos de estímulos a sociedade para que esta se organizasse, compreendesse com profundidade a política para que o comércio eleitoral fosse combatido, derrotado.

Esses textos me cansam. Se eles não servissem para as minhas análises, os apagaria; pois, neles não há nenhuma novidade.

Por isso defendo a ideia de uma sociedade organizada em núcleos de reeducação política para resgatar as pessoas das palafitas, das favelas, do seu estado de miséria e torná-las cidadãs capazes de mudar a sua história pessoal e da comunidade em que vivem; porque a acidez das palavras não constrói e constrói uma sociedade mais alheia as práticas políticas.
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7 de jul. de 2011

O sorriso de Nizinho

O pré-púbere o acompanhava. Ao perceber, adiantou o par de tênis e a ansiedade acelerou no peito. Olhava de um lado e de outro, tendo a impressão que aquela criança se aproximava. A criança insistia em persegui-lo, dizendo:

— Por que o senhor tá em silêncio e tão apressado? Eu preciso falar com o senhor. De hoje que chamo você. Ah! O senhor não quer falar com eu, né ? Então, pare agora; se não eu atiro!

O homem parou ofegante, as pernas tremiam, o suor e a palidez apoderou-se de sua face. Volveu-se para a criança e foi recebido com um riso. Sem pestanejar, disse-lhe:

— Quando o senhor saiu da padaria deixou cair isso. Aí eu vim as pressas para devolver ao senhor.
O homem ficou pasmo, permanecendo em silêncio.
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