14 de mar. de 2011

Para você


O amor tem uma regra única para aqueles querem vivenciá-lo:
O eu do amor não ocupa o espaço de outro eu.
Eles se partilham, tornando-se uma só cabeça;
Deixando o âmago adornado.
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Utopia a covardia

Outro dia conversava tranquilamente com algumas pessoas sobre o atual modo de se fazer política, como o sistema é perverso e como as pessoas estão vulneráveis a ele.

Neste colóquio, expus que a mudança na escolha dos empregados eletivos só seria possível se os eleitores começassem a vê-los como tais e não como investidores, comerciantes. Para isso acontecer era necessário que o combate ao comércio eleitoral não ficasse retido nas crônicas, muitas vezes a serviço de proveito próprio, nem no período eleitoral. Esse combate deveria ser todos os dias. Mas a minha exposição sofreu resistência por parte delas. Notei que elas estavam acostumadas a situação e davam a impressão de não querer mudanças. Isso era evidente quando diziam: “A política é assim mesmo. O que é que a pode fazer? Não tem jeito não. O povo só vota em quem dar alguma coisa”.

Fiz de conta que não as ouvi e insisti que a mudança era possível se houvesse empenho de cada um dos que discordam dessa prática, organizando-se, aprofundando-se nas questões políticas e tentando combater veementemente a compra e venda de voto. Umas olharam para as outras, o mau juízo se instalou entre elas e uníssonas concordaram que o sistema é assim mesmo, dando como encerrada aquela conversa.

Por alguns momentos silenciaram, mas as caras se retorciam achando que as minhas ideias de uma reeducação política eram inviáveis. Quando não tiveram mais o que argumentar, disseram:

— Você é um sonhador. Um utópico. Parece que quer mudar o mundo imudável. Você não estar vendo que o sistema é assim mesmo. O povo só vota em quem dar alguma coisa. Pouquíssimos são aqueles que votam pensando num todo. Se candidate prá você ver como é! O povo só vota em quem dar alguma coisa.
Olhei para cada uma delas. Depois de alguns segundos disse-lhes:

— Prefiro que digam que sou um sonhador porque reconhecem a minha esperança nas pessoas. Prefiro que digam que sou utópico porque sabem que não sou covarde, não me dobro, não me curvo a este sistema vil e mesquinho. Ao menos não acovardo as minhas falanges quando ponho nas páginas as minhas opiniões, não as reprimo ante os canalhas, ladinos que se aproveitam da pobreza de uns e da fraqueza de outros ditos “esclarecidos”, “cultos”, que passivamente não reagem contra esta prática maldita que só tem causado miséria e dor. Antes, compreendem a situação e quando tem oportunidade, tiram proveito dela. Quando estão insatisfeitos com esta ou aquela administração jogam a culpa para o povo simples. Preferem a mancebia da impiedade.

Depois da minha fala não existiram outras, até porque elas estavam aborrecidas. Levantei-me, as cumprimentei e sai caminhando suavemente pelas ruas.
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25 de fev. de 2011

A besta

A vida nada mais é do que uma coisa bestializada, onde tudo se resume em cansaço e vaidade. Tudo que buscamos, tudo o que adquirimos se resume na velhice e na dor.

Quantas e quantas são as pessoas que possuem vários bens, poder, luxo diverso, se vangloriam disso e em suas casas não há almas para habitar. O que existem são almas escuras pela dor e pelo sofrimento. Tudo o que a gente constrói é simplesmente para nos livrar do tédio da existência.

Há momentos que paro e noto a coisa besta diante de mim, diante das minhas retinas fatigadas: a besta humana, estúpida, inacabada. A besta que acha que é inteligente, que cria a fome, a bomba, às injustiças, a violência, as desigualdades sociais, os transtornos diversos da vida.

Toda essa bestialização se intensifica a cada dia, a cada instante na busca feroz pelo poder, na busca desenfreada pelo dinheiro; originando todo tipo de sentimento ruim: o egoísmo, a maldade, a intolerância, a incompreensão...

Mesmo diante de tantos erros, transtornos que uns causam aos outros, o homem continua sua jornada de bestialização.

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20 de fev. de 2011

O vilão

Estou cursando uma pós-graduação. Nos encontros, debatemos assuntos voltados para a área de educação e, nesses debates, incluímos a política. Neste ponto, as opiniões discorridas me faz pensar no fazer político deste país. 

A visão política neste âmbito é deturpada porque o sistema político e a maneira de se fazer política são vistas de cima para baixo, reforçando a ideia de que a Política é a grande vilã da sociedade. 

Usam-se muito as expressões “dinheiro nas cuecas, nas meias; todos calçam 40”,e assim por diante. E elas vêm carregadas de revolta, sempre seguida de uma opinião midiática, catada da tv, dos jornais e revista on-line ou impressos. 

Raramente se fala na compra e venda de votos que acontece em todas as esferas do sistema. Preferem a acidez da crítica. O comércio eleitoral não é analisado nas células do Estado, mas na esfera midiática. Isso não é bom. 

De nada adianta os alaridos das esquinas, dos assentos, das lágrimas. 

De nada servem as trombetas da mídia quando se faz o estardalhaço desse ou daquele gatuno. 

Enquanto a consciência dos que dormem não despertar, não há motivos para espanto, surpresas quando o Congresso se empanturra com os cofres públicos, o cidadão desfalece na fila do SUS, a segurança pública permanece caótica e a educação capenga. 

Uma reeducação política é necessária para que o poder que emana do povo perca a condição de mercadoria e retome o seu papel social que é dar sentido a democracia.
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9 de fev. de 2011

O problema do amor

O problema do amor é que as pessoas o fantasiam.
O problema do amor é que as pessoas criam imagens e perspectivas do objeto amado.
Elas nunca se preparam para a dor.
Nunca se preparam para a decepção, como se o amor fosse um estado de graça permanente.
O problema do amor é que as pessoas o idealizaram e esqueceram que ele é concreto.
E por ser concreto é incompreendido.
O problema do amor é que ele é dual. Digo, não é único; torna-se único
É de carne e osso.
Não é só carne, só osso. São duas carnes, dois ossos.
Esse é problema do amor.

LIMA, Ronaldo Pereira de. Agonia Urbana. Rio de Janeiro: Litteris Ed: Quártica, 2009.

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22 de jan. de 2011

O troco

Esquentou, durante toda a manhã, a cabeça por causa da miserável burocracia pública; aborrecendo-se principalmente com as infelizes informações desencontradas que o punha em um estado de nervos paranóico.

Após toda essa coisa medíocre, seguiu para uma agência bancária. Nela, esperou na fila com o estômago doendo, a alma e os pés. Somente uma daquelas figuras envelhecida, ouvindo em um celular e cantando aquelas músicas de camelôs piratas o fez rir.

Ao chegar sua vez de ser atendido, a bancária nem olhou em sua face. Pediu-lhe o boleto, pôs na máquina para fazer a leitura do código de barras, disse-lhe o valor (que ele já sabia) e o esperou pagar. Com o dinheiro em mãos, calou-se, deu a ele o comprovante de pagamento e chamou o próximo cliente. Sem sair da fila, disse:

— Moça, o troco!

— Só são R$ 0,20.

— Moça, meu troco. Já paguei impostos demais nessa repartição e nem água tem para beber. Quero o meu troco!

— Mas eu não tenho aqui!

— Mas eu quero o meu troco!

A bancária, que se chamava Léia, amarrou a cara, voltou-se para a sua colega e a pediu emprestado os centavos. Algumas pessoas olharam para eles, outras sussurraram. 

Ele, no entanto, saiu com esta reflexão: “Ela queria se apropriar do meu dinheiro como se tivesse pago a minha conta. Acha que o setor público nos prestam simples favores, fazendo de desentendida. Eu poderia até deixar o troco, mas ela se apropriou da minha vontade de decidir, sem ao menos perguntar se eu poderia deixar ou não os centavos.”
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20 de jan. de 2011

No alto do Cariri

O carro de som convocava, em nome do candidato, eleitores para mais um roteiro eleitoral. As caras saiam estampando adesivos nos peitos e bandeiras, seguindo para o lugar onde costumavam se reunir. 
No posto, os caminhões, caminhonetas, vans, ônibus, micro-ônibus e motos iam se amotoando para receber ordens de gasolina. Enquanto eram abastecidos, havia bebida, euforia, batuque, aperto de mãos, vitória certa. Abastecidos, partiram pela BR-101. Das janelas dos ônibus, micro-ônibus, carros populares, caminhões e caminhonetas, eles carregavam estandartes com alegria, regojizo, paixão que, para mais tarde, tornar-se-iam um tormento, uma frustração.
Chegaram ao seu destino. Os eleitores desceram, foram por uma senda, atravessaram um riacho de águas da cor da terra, subiram uma ladeira empolgados e eufóricos com a campanha, entraram pela única cancela do povoado; espalhando-se pela pequena rua de barro.
No lado direito da rua, a uns cinco metros; havia uma casa de taipa cercada por estacas e arames farpados. Pedi ao dono se podia urinar. Ele disse que sim e foi cortês comigo. Adentrei na saleta e em sua parede me deparei com um monte de santos. Fui pelo corredor e vi apenas um fogãozinho à lenha, a cama coberta com um lençol de retalhos e alguns badulaques. Como não havia sanitário, urinei sob um pé de mangueira. Ao retornar, dei fé de um poço artesiano e por cima dele havia umas peneiras e nelas, traíras, carás...
 Saí, agradeci, alcancei os demais e percebi glutões, falácias pálidas e magérrimas. Aquela casa de taipa se contrastava com o verde, a brisa, o céu, as intenções dos candidatos. Enquanto caminhava com a turba, tinha uma certeza única: as eleições iriam passar, mas as cercas e casas que formavam a rua continuariam a mesma, assim como os calções; precisando de remendos.

Colégio, 28.07.00
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