6 de out. de 2010

Eleições 2010 e os aproveitadores da boa fé da crueldade evangélica

Por Rev. Sandro Amadeu Cerveira*
Talvez eu tenha falhado como pastor nestas eleições. Digo isso porque estou com a impressão de ter feito pouco para desconstruir ou no pelo menos problematizar a onda de boataria e os posicionamentos “ungidos” de alguns caciques evangélicos. [1]

Talvez o mais grotesco tenham sido os emails e “vídeos” afirmando que votar em Dilma e no PT seria o mesmo que apoiar uma conspiração que mataria Dilma (por meios sobrenaturais) assim que fosse eleita e logo a seguir implantaria no Brasil uma ditadura comunista-luciferiana pelas mãos do filho de Michel Temer. Em outras o próprio Temer seria o satanista mor. Confesso que não respondi publicamente esse tipo de mensagem por acreditar que tamanha absurdo seria rejeitada pelo bom senso de meus irmãos evangélicos. Para além da “viagem” do conteúdo a absoluta falta de fontes e provas para estas “notícias” deveria ter levado (acreditei) as pessoas de boa fé a pelo menos desconfiar destas graves acusações infundadas. [2 [1]]
A candidata Marina Silva, uma evangélica da Assembléia de Deus, até onde se sabe sem qualquer mancha em sua biografia, também não saiu ilesa. Várias denominações evangélicas antes fervorosas defensoras de um “candidato evangélico” a presidência da república simplesmente ignoraram esta assembleiana de longa data.
Como se não bastasse, Marina foi também acusada pelo pastor Silas Malafaia de ser “dissimulada”, “pior do que o ímpio” e defender, (segundo ele), um plebiscito sobre o aborto. Surpreende como um líder da inteligência de Malafaia declare seu apoio a Marina em um dia, mude de voto três dias depois e a apenas 6 dias das eleições desconheça as proposições de sua irmã na fé.
De fato Marina Silva afirmou (desde cedo na campanha, diga-se de passagem) que “casos de alta complexidade cultural, moral, social e espiritual como esses, (aborto e maconha) deveriam ser debatidos pela sociedade na forma de plebiscito” [3 [2]], mas de fato não disse que uma vez eleita ela convocaria esse plebiscito.
O mais surpreendentemente, porém foi o absoluto silêncio quanto ao candidato José Serra. O candidato tucano foi curiosamente poupado. Somente a campanha adversária lembrou que foi ele, Serra a trazer o aborto para dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) [4 [3]]. Enquanto ministro da saúde o candidato do PSDB assinou em 1998 a norma técnica do SUS ordenando regras para fazer abortos previstos em lei, até o 5º mês de gravidez [5 [4]]. Fiquei intrigado que nenhum colega pastor absolutamente contra o aborto tenha se dignado a me avisar desta “barbaridade”.
Também foi de estranhar que nenhum pastor preocupado com a legalização das drogas tenha disparado uma enxurrada de-mails alertando os evangélicos de que o presidente de honra do PSDB, e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso defenda a descriminalização da posse de maconha para o consumo pessoal [6 [5]].
Por fim nem Malafaia, nem os boateiros de plantão tiveram interesse em dar visibilidade à notícia veiculada pelo jornal a Folha de S. Paulo (Edição eletrônica de 21/06/10) nos alertando para o fato de que “O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, afirmou nesta segunda-feira ser a favor da união civil e da adoção de crianças por casais homossexuais.” [7 [6]]
Depois de tudo isso é razoável desconfiar que o problema não esteja realmente na posição que os candidatos tenham sobre o aborto, união civil e adoção de crianças por homossexuais ou ainda a descriminalização da maconha. Se o problema fosse realmente o comprometimento dos candidatos e seus partidos com as questões acima os líderes evangélicos que abominam estas propostas não teriam alternativa.
A única postura coerente seria então pregar o voto nulo, branco ou ainda a ausência justificada. Se tivessem realmente a coragem que aparentam em suas bravatas televisivas deveriam convocar um boicote às eleições. Um gigantesco protesto a-partidário denunciando o fato de que nenhum dos candidatos com chances de ser eleitos tenha realmente se comprometido de forma clara e inequívoca com os valores evangélicos. Fazer uma denúncia seletiva de quem está comprometido com a “iniquidade” é, no mínimo, desonesto.
Falar mal de candidato A e beneficiar B por tabela (sendo que B está igualmente comprometido com os mesmo “problemas”) é muito fácil. Difícil é se arriscar num ato conseqüente de desobediência civil como fez Luther King quando entendeu que as leis de seu país eram iníquas.
Termino dizendo que não deixarei de votar nestas eleições.
Não o farei por ter alguma esperança de que o Estado brasileiro transforme nossos costumes e percepções morais em lei criminalizando o que consideramos pecado. Aliás tenho verdadeiro pavor de abrir esse precedente.
Não o farei porque acredite que a pessoa em quem votarei seja católica, cristã ou evangélica e isso vá “abençoar” o Brasil. Sei, como lembrou o apóstolo Paulo, que se agisse assim teria de sair do mundo.
Votarei consciente de que os temas aqui mencionados (união civil de pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, descriminalização de algumas drogas entre outras polêmicas) não serão resolvidos pelo presidente ou presidenta da república. Como qualquer pessoa informada sobre o tema, sei que assuntos assim devem ser discutidos pela sociedade civil, pelo legislativo e eventualmente pelo judiciário (como foi o caso da lei de biossegurança) [8[7]] com serenidade e racionalidade.
Votarei na pessoa que acredito representa o melhor projeto político para o Brasil levando em conta outras questões (aparentemente esquecidas pelos lideres evangélicos presentes na mídia) tais como distribuição de renda, justiça social, direitos humanos, tratamento digno para os profissionais da educação, entre outros temas. (Ver Mateus 25: 31-46) Estas questões até podem não interessar aos líderes evangélicos e cristãos em geral que já ascenderam à classe média alta, mas certamente tem toda a relevância para nossos irmãos mais pobres.
__________________
[1] As afirmações que faço ao longo deste texto estão baseadas em informações públicas e amplamente divulgadas pelos meios de comunicação. Apresento os links dos jornais e documentos utilizados para verificação.
*Matériaoriginalmente publicada no site Segunda Igreja [8]

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[1] 2: http://www.hospitaldalma.com/2010/07/o-cristao-verdadeiro-nao-deve-votar-na.html
[2] 3: http://ultimosegundo.ig.com.br/eleicoes/marina+rebate+declaracoes+de+pastor+evangelico+silas+malafaia/n1237789584105.html
[3] 4: http://blogdadilma.blog.br/2010/09/serra-e-o-unico-candidato-que-ja-assinou-ordens-para-fazer-abortos-quando-ministro-da-saude-2.html
[4] 5: http://www.cfemea.org.br/pdf/normatecnicams.pdf
[5] 6: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=856843&tit=FHC-e-intelectuais-pedem-legalizacao-da-maconha
[6] 7: http://www1.folha.uol.com.br/poder/754484-serra-se-diz-a-favor-da-uniao-civil-e-da-adocao-de-criancas-por-gays.shtml
[7] 8: http://www.eclesia.com.br/revistadet1.asp?cod_artigos=206
[8] Segunda Igreja: http://www.segundaigreja.org.br/noticias_view.asp?id=340
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26 de set. de 2010

Obedecer

Ó
     Bê
           Dê
                  Cê
Meninos de Ló.
Viu crianças!
Obedecê-lo. 
Meus Cadernos, 1998.
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12 de set. de 2010

Mazela eleitoral

Muita gente acha que as leis existentes deveriam ser mais rigorosas, pois, acreditam que esse rigor resolveria o problema da impunidade neste país. E reclamam delas e dos políticos. 

Acham que a Justiça Eleitoral deveria proibir o uso de dinheiro em campanhas, pois, ela sabe que esse dinheiro se destina a mercantilização do voto; que o dinheiro deveria ser usado simplesmente para manter um banco de dados contendo informações pessoais e jurídicas da vida de todos os candidatos envolvidos em um processo eleitoral para que os eleitores pudessem escolher pesquisando a vida pregressa de cada um deles.

Entendo que essa olhadela no sistema político reflete que: falta filosofia, faltam reflexões, falta senso crítico. Mesmo que fosse proibido o uso de dinheiro em campanhas, ele não faltaria no bolso dos candidatos, pois, há quem os financie; melhor dizendo: comprem favores pessoais, agiotem e isso ocorre há anos. O problema das eleições deste país não são as calúnias, as baixarias, as fraudes, os sigilos quebrados, a pistolagem, as Leis, a "harmonia" de alguns seguimentos do Judiciário. O problema das eleições neste país esta na cabeça dos eleitores.

Enquanto a mudança não começar por ela não há mudanças no sistema. Ele sempre será perverso, irresponsável, amoral, opressor e vil. Por isso muitos já perderam a esperança. Sem forças para lutar, prostituem-se com o sistema e tentam impor que a prática da corrupção faz parte da cultura do brasileiro. Entendem que a barganha é uma prática normal, amigável e social.

A mudança não tem acontecido porque o povo não compreendeu o que o voto é. A maioria entende que essa palavra não tem nenhum valor, por isso, apegam-se a vantagens imediatas e medíocres. Isso ocorre porque nos fizeram acreditar nisso há muito tempo. Isso não é de hoje.

E o pior dessa triste verdade é que o povo simples é vítima dessa mazela eleitoral, apesar de alguns não compreenderem isso. Enquanto houver forças nos dígitos, eu levantarei um estandarte para o povo por um motivo simples: muita gente dita "culta" e que possuem anéis universitários vivem de barganha, sendo os mais beneficiados.
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5 de set. de 2010

Ruas vazias e solitárias


Vestiu a bermuda surrada e nem se deu conta. A mãe balbuciou alguma coisa, mas ele meneou a cabeça e saiu. Lá fora, as ruas estavam vazias e solitárias para os seus pés. Durante o trajeto, pensava: 
— Amei-a sem limites. Doei-me sem interesses pessoais. Ocupei-me com os problemas dela, vivendo-os como se fossem meus. Mas, o que me restou? Restou-me a humilhação, o cansaço e a chacota. Além disso, mamãe fica no pé, azucrinando a minha cabeça para eu não cair mais numa daquelas.
Caminhando pelas ruas daquela pequena cidade não surgiu um ouvido, uma língua, um olhar terno, meigo que lhe servisse de bálsamo. A alma, movendo-se de amor e para o amor, encharcava-se de angústia. Muitas vezes sentia-se perdido e tinha a sensação de estranhamento de si e das coisas.
Alguém o chama. Ele ergue a cabeça, reconhece a turma que estava na porta de um mercadinho e se dirige para lá. Ali, a mesmice parara e nela sua integridade fora violada, sua solidão, seu solteirismo posto em dúvida. Então, na sua serena aparência, elástica compreensão, saiu tranquilamente com o olhar voltado para o chão, a procura de algo que os seus interlocutores não veem.
Convencido de que aquelas pessoas eram tolas, mas nem por isso as julgavam, pensou:
— A vida neste lugar tornou-se um ciclo: a violação da vida alheia, da solidão, da opinião política; além dos gracejos inconvenientes, recheados de críticas e desdém na variedade de risos. Eles são bobos. Não entendem a vida. Prendem-se demais em coisas fúteis, medíocres. São tontos! Não percebem, não vivem e; vivem dos outros, para os outros. Não ousam nem explorar as profundezas das ideias, dos pensamentos, das emoções. A maioria deles vivem no abismo, na escuridão das suas próprias angústias.
Houve um tempo que essas manias dos seus conhecidos o perturbavam, deixando-o sem direção, sem rumo e muitas vezes, quando deles se afastavam, os olhos rasos de lágrimas. Só que ele esvaziou tudo isso de si quando percebeu a tolice de cada um deles e a não culpabilidade. Afinal, era apenas uma reprodução de hábitos; maldosos, mas um hábito.
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30 de ago. de 2010

A Oswald redescoberto

— O Brasil foi descoberto ou descobrido?
— Não. Ele foi achado!
— Despido?
— Rapaz, ele foi vestido.— O Brasil quando foi achado, estava pelado.
— Não tinha frio, nem resfriado.
— Mas quando vestiram-no, sentiu frio e resfriado.

LIMA, Ronaldo Pereira de. Agonia Urbana. Litteris Ed.: Quártica, Rio de Janeiro, 2009.
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20 de ago. de 2010

Biritando com Baco

No copo é colocada a loira que reunia na mesa algumas pessoas.
Mas meu copo esquecido ela não enchia, apenas me excluía apesar de biritar com Baco.
Eu estava bem trajado, mas desempregado e o que vale é o alto que não tinha
Baco me olhava.
A loira sumia no meu copo rasgado.
Que mexia com o corpo descoberto a dureza de excluído, incluído todo dia.
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4 de ago. de 2010

Possuídos pela barganha

É com pesar e intensa melancolia que noto as pessoas possuídas pelo convencimento passivo diante das várias situações políticas. O período eleitoral é uma oportunidade para a barganha e elas não se envergonham em dizê-la. 

Tão convencidas estão que não pensam nas maldades que praticam quando de suas casas saem para votar em políticos com vidas pregressas maculadas. Esquecem-se que as leis são criadas por políticos que compraram mandatos. Há os tolos que acham que, se não comer naquela ocasião, não irá mais receber um suposto benefício. Esquecem-se que a individualização do voto priva os benefícios coletivos, tais como: segurança, educação, saúde, transporte público, dentre outros; tão explícitos no sensacionalismo da mídia que reflete a má escolha dos empregados eletivos.
 
Essas escolhas ruins fazem pais e mães perderem filhos para as malditas balas achadas, para o tráfico de drogas, para os homicidas, os maníacos, os leitos dos hospitais e das unidades de saúde sucateados. Isso ocorre graças à omissão de um Estado incompetente, irresponsável que negocia o voto, ao invés de reeducá-lo.
 
Há quem ache que o povo simples é o único culpado. Só uma olhadela no sistema faz algumas pessoas pensarem assim. Sei de uma coisa curta e certa: se juízes, promotores, procuradores, comerciantes, servidores praticam a barganha; o quê, então, dizer de um povo que depende de um dia de trabalho? Não há nada o que dizer.
 
Tem muita gente se regozijando com a Ficha-limpa. De fato, um passo importante na história eleitoral, mas essa lei só servirá para os tribunais. O problema no processo eleitoral deste país estar nas pequenas células. De nada vai adiantar leis, leis se a maioria do povo é analfabeta política. O que se espera, então, dessa maioria? Escolhas ruins, políticos ruins, ações ruins. 
 
Por isso, estarei enclausurado estes dias nas minhas reflexões, procurando compreender o que nelas ocorrem e compreender as que vêm de fora, nas bocas, nos rostos, nas asas tortas.
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