4 de ago. de 2010

Possuídos pela barganha

É com pesar e intensa melancolia que noto as pessoas possuídas pelo convencimento passivo diante das várias situações políticas. O período eleitoral é uma oportunidade para a barganha e elas não se envergonham em dizê-la. 

Tão convencidas estão que não pensam nas maldades que praticam quando de suas casas saem para votar em políticos com vidas pregressas maculadas. Esquecem-se que as leis são criadas por políticos que compraram mandatos. Há os tolos que acham que, se não comer naquela ocasião, não irá mais receber um suposto benefício. Esquecem-se que a individualização do voto priva os benefícios coletivos, tais como: segurança, educação, saúde, transporte público, dentre outros; tão explícitos no sensacionalismo da mídia que reflete a má escolha dos empregados eletivos.
 
Essas escolhas ruins fazem pais e mães perderem filhos para as malditas balas achadas, para o tráfico de drogas, para os homicidas, os maníacos, os leitos dos hospitais e das unidades de saúde sucateados. Isso ocorre graças à omissão de um Estado incompetente, irresponsável que negocia o voto, ao invés de reeducá-lo.
 
Há quem ache que o povo simples é o único culpado. Só uma olhadela no sistema faz algumas pessoas pensarem assim. Sei de uma coisa curta e certa: se juízes, promotores, procuradores, comerciantes, servidores praticam a barganha; o quê, então, dizer de um povo que depende de um dia de trabalho? Não há nada o que dizer.
 
Tem muita gente se regozijando com a Ficha-limpa. De fato, um passo importante na história eleitoral, mas essa lei só servirá para os tribunais. O problema no processo eleitoral deste país estar nas pequenas células. De nada vai adiantar leis, leis se a maioria do povo é analfabeta política. O que se espera, então, dessa maioria? Escolhas ruins, políticos ruins, ações ruins. 
 
Por isso, estarei enclausurado estes dias nas minhas reflexões, procurando compreender o que nelas ocorrem e compreender as que vêm de fora, nas bocas, nos rostos, nas asas tortas.
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23 de jul. de 2010

Correndo do amor

Sentada no banco da praça e de cabeça baixa, soluçava. O soluço era resultado de uma paixão inacabada que a punha numa situação dolorosa. As lágrimas desciam impetuosas pela face e a mente se metia em confusões, as malditas confusões.
 
A única coisa que conseguiu naquele momento foi desejar alguém por perto, algum amigo para lhe afagar, doar uma palavra de carinho, conforto. Mas as lágrimas, as infelizes lágrimas era quem lhe faziam companhia. Ah, que triste companhia que alguém pode ter num momento como este!
Sentiu uma mão tocar seu ombro. Assustou-se! Sem olhar para trás, nem pensar duas vezes, levantou-se com pressa e saiu correndo. Corria, corria e já não sabia por que corria. O homem que a tocara sentou-se no banco esperando-a porque sabia que ela voltaria no meio da noite. Então ele riu para si, ria para o silêncio, ria apenas.


PORTO LITERÁRIO, ANO II – N.º 54 – DE 06 OUTUBRO - 2003.
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21 de jul. de 2010

Círculo da morte

Um bem-te-vi estava entre galhos. Anunciava que viu, mas não dizia o quê. Os galhos balançavam, as folhas farfalhavam com as malinações do vento (Bento). A relva estava verde e o sol espalhava-se sobre ela em gotas de orvalho. Um pardal pipila e voa, sendo substituído por um voo circular sob nuvens branquérrimas e um céu anil. Então as minhas pálpebras se quebraram nesse dia.
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16 de jul. de 2010

Fundo de quintal

Procurava um amigo e o encontrei numa escola dialogando com colegas de trabalho. Dei bom dia, ofereci amendoim que carrega em uma das mãos, sentando-se em seguida numa dessas cadeiras escolar abandonada.
Em silêncio, ouvia quando um deles acusava a Câmara de ter vivido um caso de mancebia na gestão anterior, alegando que: “quando os vereadores são do mesmo grupo político do prefeito, não há administração; mas esculhambação em conluio com a Justiça”. Outro, mais reflexivo falou: “a oposição é muito útil para a democracia”, calando-se.
O diálogo entre eles continuava, tornando-se quase conversa. Cada um expunha suas ideias e opiniões sobre o atual sistema político, apontando com os dez dedos das mãos para os políticos; demonstrando uma opinião formada pela mídia.

Permanecendo como estava nada dizia; até porque aquele diálogo-conversa me causava angústia, já que os ouvidos nunca se cansam nem se fartam os olhos. Observei o entendimento superficial que alguns deles faziam daquele assunto, até que alguém disse: “esses caras (políticos) pensam que ali (apontava para a prefeitura) é o fundo do quintal deles”.

Olhei para o meu interlocutor e fui tachativo:

— Claro! O fundo do quintal é deles porque eles compraram.

O meu interlocutor ficou surpreso com a minha resposta, engoliu saliva, calou-se por um instante, olhou para dentro dos meus olhos, dizendo:

— Não entendi!

­— Eles compraram e compram esse fundo de quintal. Por isso fazem o que fazem. Esses empregados eletivos deixam de ser empregados para serem comerciantes. Nem tem, nem querem responsabilidade.

Sem entender o que eu dizia, um dos colegas explicou com maior clareza, dizendo que eu me referia a compra e venda do voto. A conversa tomou outro rumo sem vela.

Não defendo em minhas crônicas os profissionais da política por entender que eles são canalhas, larápios, gatunos; mas percebo por trás desses substantivos um povo alienado, descrente, apegado a barganha eleitoral que ao invés de reagir; votam em candidatos para depois reclamar nas esquinas das escolas, hospitais, unidades de saúde e outras repartições públicas.

Por isso não se deve ver os políticos a partir do próprio político. Quem assim age, comete um grave erro, possui um entendimento horizontal do sistema e se esquece de que este país precisa de uma reeducação política, de um Judiciário mais sério (principalmente nas cidadezinhas) e de um povo educado.
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10 de jul. de 2010

Mensagem para uma inscrição


Quando você for ao monte contemplar
Este mundo triste dos vivos
Você seguirá voando pelos penhascos sem
Ponte,
Com sua asa, sua dor, seu sorriso
Toca seu banjo, sua harpa
Sua flauta seu flautim seu violão
Toca a guitarra seu teclado seu piano
Ou qualquer misterioso instrumento de anjo
Só não se sinta triste
Quando eu tiver chorando você.
É porque você existe,
E eu morro de vontade de lhe ver de novo,
MÃE.
Wellingto Liberato dos Santos
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28 de jun. de 2010

A espera de um candidato

Mauro estava de pé. Com o celular abaixo do queixo, fazendo gestos como se estivesse num palanque ou tribuna. Era branco, cabelos lisos e sedosos. Carregava no rosto vestígios da adolescência. Eram espinhas fossilizadas. Calçava tênis e vestia jeans.

Falava de promessas e algumas pessoas o rodeavam, enchendo o coração e as cáries de alegria - Um menino passou de lado, catando as latas de refrigerante e cervejas que nós havíamos bebido. O vento fazia pequenos redemoinhos de poeira, fazendo os cílios se encontrarem para proteger às córneas.
Zuuuuummm... 

Uma carreta passou pela BR e Mauro falava, falava na ponta dos pés, voltando-se para uma plateia magérrima.

Alguém passou, pôs a mão no meu ombro. Eu o respondi com um sorriso contido. Biro se aproximou, estendeu aquela mão grande e fria. Demorou um pouco e depois saiu à cachorro. 
Saímos. 

Dentro do carro Ademir falava com gosto e alegria, contente de coisas pálidas. O rosto dele era redondo, nariz afilado, bojudo e usava óculos. Chegamos. Avistei de longe uma multidão exposta ao sol e já fazia algum tempo. Sim, uma multidão que esperava quinze reais e a vontade de um senador. Eu apenas olhei a movimentação daqueles olhos pequenos, famintos, descaídos e pálidos, segurando bandeiras. Que contraste, meu Deus!

Depois eu desapareci sem que ninguém sentisse a minha falta, até porque os meus olhos se fartaram daquela ignomínia.
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23 de jun. de 2010

João sem São

É tempo de João, de prece e de Gonzaga.

É tempo de bomba, chuvinhas, milho assado.

É tempo de cavalgada, de rostos pintados, de arrasta-pés.

È tempo de fumaça, de olhos ardentes, de poluição.

É tempo de cheirar a fumaça, de beijar na fumaça, de beber na fumaça.

Esse é um dos tempos no tempo.
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