10 de nov. de 2021

Mil blocos logo no início

Publicado inicialmente em 2015 na Tribuna da Praia.

Du resolveu pintar o cabelo de amarelo queimado. Na calçada, conversa com um, com outro e chama pelo nome dos que passam pela rua. Em seguida, se aproxima de onde estou; sentando ao meu lado.


Perguntei o que ele achava do prefeito. Ele respondeu: “Não quero nem ouvir falá o nome desse homi”. A resposta crespa e raivosa dele não me fez recuar. Indaguei as razões de tanta raiva. Du ficou silente, mas resolveu abrir o coração. Me disse: “Minha avó... Perto de se aposentar. Precisou de R$ 50,00. Aí, ela falou com um conhecido dela. Ele não conseguiu arrumar o dinheiro. Aí, o conhecido da gente disse: ‘Não se preocupe. Vou falá com o prefeito’. Quando minha avó foi falá com o prefeito a mando desse conhecido, ele só deu R$ 20,00. Isso foi cinco meses depois da eleição”.


Eu disse para ele: “Isso não é certo. As pessoas devem pedir para os prefeitos escolas boas, bons professores, saúde de qualidade, cidade bem cuidada, gerar emprego para as pessoas não ficarem pedindo nada para eles. O voto não pode ser vendido, nem trocado”. Du parecia não me ouvir. E me indagou: “Você acha isso certo: a pessoa precisar de R$ 50,00 e receber R$ 20,00? Ele (o prefeito) recebe mais de R$ 10.000,00. Ele tá pior que o vice. A gente precisou de R$ 80,00 e ele deu R$ 70.00. Só faltou R$ 10,00”.


Eu retruquei, mantendo as minhas opiniões e Du complementou a sua fala: “Logo no início da campanha, o prefeito deu mil blocos pra gente construir o muro da casa de minha avó. Foi sete votos lá em casa. E minha avó só precisou dele cinco meses depois. Quando ele já era prefeito. O dinheiro era pra pagar a energia”.


Dito isso, se calou. Eu também me calei.


Debaixo da árvore, os pardais pipilavam. Os galhos farfalhavam. As folhas caiam. Depois Du me disse: “Quer quantos quilos de macaxeira hoje?”. “Dois”, respondi. Ele me deu a mão, me cumprimentou e se foi com o sorriso cariado, sumindo na esquina da rua disforme.


Eu fiquei pensando no sistema que procria espécimes como cunhas, delcídios, arrudas, agripinos, o BBB (bancada da bala, do boi e da Bíblia), aécios e tantos outros que estão no Congresso criando problemas para a nação.

 

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27 de out. de 2021

Barco de Pescador


Estava às margens do rio, eu e tantos outros. Enquanto a lancha passava com poucos passageiros, a brisa nos tocava. O ambulante, numa galinhota, se aproxima. A castanha de caju estava com uma boa aparência. Degustei uma delas e comprei uma porção. Ele saiu pela beirada do rio e ninguém mais comprou.

Homens retiravam orelhas de burro com um gadanho. Elas impediam que os clientes do bar tomassem banho.

Chico, o Velho, não descansa. Cheio de dores e hematomas, segue humilhado seu curso; mas se mantém firme. Seus filhos precisam dele.

Nisso, um barco com dois jovens se aproxima, atraca na beira do rio. O último, a espiar as garotas, ficou com o leme, e o outro próximo a proa, espiava algo no celular.

Uma garotinha saiu correndo do barraco disforme, feito de madeira e palha, foi até a canoa, comprou um pacote de algodão doce e voltou na mesma velocidade.

Aquele barco que andou cheio de peixes olhou triste, demorou uns dez minutos e saiu aos poucos pela beirada a procura de clientes mirins para seu sustento.

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5 de set. de 2021

Uma viagem pelas crônicas de Ron Perlim

Era o ano de 2003. Na busca de subsídios para uma das edições do extinto Jornal Opara Propriá/SE, encontrei um jovem Matemático, escritor, pesquisador, poeta e contista,e se me permitem assim ampliar os qualificativos, um exímio educador popular que nos municiou                     sobre      um     verdadeiro       mosaico        para compreendermos os elementos históricos e culturais do município alagoano de Porto Real do Colégio.
 
 De para tive contato com sua obra, cujo valor incalculável se manifesta em exemplos como Às Margens do Rio Rei (aspectos gerais do município), Porto Real do Colégio: Sociedade e Cultura, Agonia Urbana (prosa poética), Minicoletânea de Escritores Colegienses (prosa poética), O Lugar da Poesia e da Prosa e Ritmo Vital (estes últimos escritos a várias mãos), além de um numero infinito de textos ecoados na grande rede, através de sites e blogs, e mais recentemente repercutidos por alcance das redes sociais que os multiplicam.
 
Oreconhecimento ao profícuo exercício literário de Ronaldo Pereira de Lima tem sido manifestado por “extremosbiunívocos” que se estendem do popularao erudito,  e  materializados   ou laureados,  como   o PrêmioAlina Paim, promovido pela Secretariade Estado da Cultura de Sergipe na categoriainfanto- juvenil.Este reconhecimento não lhe envaidece, mas multiplica suas responsabilidades com o universo absoluto e relativode sua legião de leitores, espalhados nos vários rincões do Brasile não seria pretensãoafirmar, nos cinco continentes da Terra.
 
Apartir de 2004, exatos dez anos, tivemos a honra de receber as crônicas políticas de Ronaldocom frequência, as quais passaramaos olhos e mãos de nossos leitores,ilustrando as páginas impressase online da Tribunada Praia. O resultado deste acervo está sendo disponívelagora em forma de livro, cujo título Viuo Home?expressa a opção do autor em alcançar um públicoque, assim como Platão em “O Mito da Caverna”,intencionalmente ou não, pretende levar luz aos que ainda tem a sua frente uma cortinada limitada informação que precisa ser transformada em conhecimento.
 
Em Viu o Home?, Ronaldo nos remete a uma viagem cujas estações incluem paradas em 05 de outubro e Frevo eleitoral, avançando para o Fundo de quintal, nos lembrando Quem come. Quem não come, condenando o que considera Coisa de cabra safado.    Enquanto   estamos    A    espera    de    um candidato,  Ronaldo nos faz lembrar das Malditas picuinhas e da Mazela eleitoral, que muitas vezes deságuam  em Cãomício.  Mas será  que É  assim mesmo, pois enquanto Eu, Pobre, eles, Os prefeitos, a folha paralela e os cognatos precisam ser freados.
 
Assim como previa Bertolt Brecht ao afirmar que “A omissão é o peso moro da História”,Ronaldo nos remete em A irmã da covardia, e O poder que não elege, pode desaguar no prejuízo que faz A merenda que não está nas escolas. Considerando que Este é mais um ano eleitoral, para se contentar com O menos pior ou quem mais?, pois Eles não se elegem por si. Com a Língua solta, lembre-se de que É em casa que se aprende a barganhar.
 
Ronaldo poderia ter escolhido qualquer uma das 32 crônicas para ilustrar o título deste trabalho,pois, todas elas refletem momentos que se completam, o que dimensão ao conjunto de uma obra que é o resultado de uma leitura socializada, mas que assim como avaliou Heráclito, “nenhum homem banha-se duas vezes no mesmo rio...”,sendo sua releitura indispensável, pois “... ele não será o mesmo homem, nem o rio será o mesmo rio”.
 
Como um grande escritor cuja trajetória lhe credencia, tem dado através de seus textos provas inequívocas de seu compromisso com a construção da cidadania, denunciando as mazelas e promiscuidade que tem se convertido a atividade política, anunciando a necessidade de manter empunhada a bandeirada resistência e não baixar guarda para as cooptações que tem cercado o ser humano, cada vez mais vulnerável, mas como quem vislumbra uma luz fora da “caverna”,... desistir, NUNCA. Insistir, SEMPRE!
 
Fica aqui, em meu nome, em nome dos que fazem a TRIBUNADA PRAIA e por extensão de seus leitores cuja frequência diária oscila em torno dos 7 mil acessos, nossos sinceros e honrosos agradecimentos a companhiad e Ronaldo Pereira de Lima e de “suas crias”, ao longo de uma década, na certeza de que o tempo acrescentou esta relação e parceria,crescendo em nós a certeza de que, nos termos preconizado pelo grande Rubem Alves (na obra “Sobre Jequitibás e Eucaliptos”), aqui foi plantada uma árvore frondosa que nos proporciona uma sombra maravilhosa.

Sergipe, Setembro de 2014


Claudomir Tavares da Silva
Diretor-Fundador da Tribuna da Praia

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