2 de mai. de 2018

Duvide. Critique. Determine.


Todo ser humano (...) deveria aprender a fazer higiene mental tal como faz a higiene bucal. Como? Todos os dias, em silêncio mental, deveria aplicar a técnica DCD (Duvidar, Criticar e Determinar).

Deveria duvidar de tudo que o controla, pois aquilo em que crê a controla. Duvidar do controle do medo, da autopunição, do sentimento de incapacidade, de não dar conta de tanta responsabilidade, de que seus filhos não desenvolverão uma personalidade saudável. Deveria ainda, criticar sua baixa autoestima, sua fragilidade, seus pensamentos asfixiantes, o conformismo e as falsas crenças. Deveria também, para completar a técnica DCD, decidir a cada momento ser livre, seguro, leve, relaxado, gestor de sua mente.

A técnica DCD pode ser feita espontaneamente todos os dias, por três ou quatro minutos a cada vez. O ideal é que seja realizada antes de sair de casa e logo ao deitar na cama. Iniciar e finalizar o dia com higiene mental relaxa, acalma, debela nossos predadores mentais, reedita nossa história.

Se todos os dias as crianças, os jovens e os adultos em todas as nações fizessem essa técnica disciplinadamente, evitaríamos centenas de milhares de suicídios e milhões de outros transtornos emocionais por ano. A técnica DCD é revolucionária.


Fonte: CURY, Augusto. 20 regras de ouro para educar filhos e alunos: como formar mentes brilhantes na era da ansiedade. 1 ed. São Paulo: Planeta, 2017. pp. 160-161. 
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26 de abr. de 2018

Tem que ter uma ruptura


Ele estava em minha frente, sentado, e com um livro a sua esquerda. Como a mente não aprecia a solidão, foi logo conversando uma coisa ali, outra acolá. Nisso, tocou em política. Política é um assunto que ultimamente muita gente não tá sabendo conversar, outras estão enojadas e mais outras preferem não opinar.

Iniciou a sua fala pregando a ruptura, ou seja, regime militar. Para ele seria o ideal para a ocasião; mas sem convicção formada. Era mais um dizendo as coisas pela força da revolta. Quando ele repousou a língua, eu tomei a palavra e lhe disse: Não acho que a ruptura seja uma boa ideia. Ele me interrompeu. A sua língua repousou novamente. Ai eu continuei: Quero dizer a você porque discordo, não relatando fatos históricos; mas o que vivi quando criança. Quando eu e os amigos brincávamos na rua, tinha um delegado que, quando apontava na esquina, a gente já sabia: tinha que pegar a bola e correr. Sabe por quê? Porque era costume dele cortar ao meio as nossas bolas com uma faca.

Não tendo o que dizer, mudou de assunto. Disse que esteve na Caixa outro dia e viu os servidores de barbicha, cabeleira e tatuado. Para ele, aquelas pessoas não deveriam estar ali. Elas não estavam de acordo, apresentável. A minha resposta foi esta: Estamos em outro tempo. As coisas e as pessoas mudaram. Ele insistia que aqueles servidores não estavam apresentáveis, que deveria acontecer uma ruptura.

Em seguida, fez duras críticas aos alunos da rede pública e os qualificou como maconheiros, que não tavam nem aí para os estudos e que fazia medo até aos professores. Para ele, era necessária a presença da polícia nas escolas para coibir o mal que está se alastrando pelo país.

Reclamou que a família estava desestruturada e que não era obrigação da escola educar. A escola era um mero passador de conteúdo. Apegou-se a isso, desconsiderando a formação social do nosso país de abandono e exclusão.. Exaltou a educação no tempo do regime, mas eu não dei importância para isso. Eu sabia que o regime não foi grande coisa na educação.

De face atordoada, ele se foi. Quase era atropelado por uma bicicleta. Disse impropérios ao ciclista e finalmente sumiu da minha vista, ao virar na esquina.

Falou muito. Ouviu pouco. Pensa menos.



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24 de abr. de 2018

Partido sem sigla


O meu partido é aquele que combate a fome e a miséria.

Que olha para os abandonados e excluídos.

Que tem o olhar atento para as minorias, os injustiçados.

O meu partido não tem nome, nem sigla porque ele percebe o outro, não defende heróis, nem privilégios.

O meu partido não aceita que uma classe subjugue a outra para pisotear.

Para mim o que importa é o outro, enxergá-lo, vê-lo não como inimigo; mas como alguém que está perto de mim, como se fosse o meu próximo.

E se algum tolo ler isso e me taxar de marxista, comunista, socialista, esquerdopata; que assim seja.


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14 de abr. de 2018

Fonte original de saber

"Cada ser humano é um eixo de interações de ensinar-aprender. Assim, qualquer que seja, cada pessoa é em si mesma uma fonte original de saber e de sensibilidade. Em cada momento de nossas vidas estamos sempre ensinando algo a quem nos ensina e estamos aprendendo alguma coisa junto a quem ensinamos algo. Ao interagir com ela própria, com a vida e o mundo e, mais ainda, com círculos de outros atores culturais de seus círculos de vida, cada pessoa aprende e reaprende. E, assim, cada mulher ou homem é um sujeito social de um modo ou de outro culturalmente socializado e é, portanto, uma experiência de sua própria cultura.
SILVA, René Marc da Costa. Cultura Popular e Educação: Salto para o Futuro. Tv Escola. SEED. MEC. Brasília, 2008. p. 33
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25 de fev. de 2018

Bença


A gente vinha de Aracaju. Eu estava cansado, mas o jeito agradável de minha mulher me mantinha atento ao ir e vir da rodovia. Nos aproximamos de uma cidade, cujo nome não me recordo. A primeira coisa que avistamos após a lombada foi um aglomerado de barracas disformes. A frente delas os afrodescendentes vendiam milho cozido e assado. 

Minha mulher me olhou e disse: 

— Me deu uma vontade de comer milho!

Eu estacionei o carro e logo fomos atendidos por uma senhora simpática que nos chamou de “bença”. Essa era a maneira de ela se aproximar dos clientes. Eu era uma bença e todos os que compravam a ela eram também. Enquanto eu pensava nisso, minha mulher gracejava com a vendedora. Esta, graciosa que era, estava de olho na freguesia e, para não perder tempo foi direta:
— Bença, faço três espigas por cinco reais.
Minha mulher não fez objeção. Aceitou a proposta dela. Quando estávamos prestes para irmos embora, ela fez uma pausa e disse:

— Minha bença, voltando-se para a minha mulher.
 — Da próxima vez eu vou dar uma espiga ou uma aguinha ao motorista.

Minha mulher não aguentou. Olhou para mim, riu gostosamente e lhe disse:

Mulé, não é preciso não. Ele não é motorista não. É meu marido, rindo de mim.

Bença ficou descabreada, mas percebeu que eu não tinha me importado com o que ela disse. Para mim agradar, desfazendo aquele mico, ela insistia em me dar um agrado da próxima vez que parássemos na barraca dela, argumentando que era costume fazer isso com todos os motoristas. Ela só me via como motorista. Tentei compreendê-la. Imaginei que havia por trás disso uma explicação. Aí, perguntei-lhe:

— Por que a senhora faz isso com todos os motoristas?

Ela me surpreendeu, respondendo:

— Sabe por quê? Porque os motoristas só assim vão parar na minha barraca. É pra bater na concorrência. Eu dou milho e aguinha pra eles, tocando no braço de milha mulher, completando: — Nenão Bença!

Aí, eu completei:

— Quer dizer que eu tenho a cara de motorista?

Ela olhou pra minha mulher. Minha mulher olhou pra mim e todos riram.

Todas as vezes que a gente passa pela BR-101 e nos aproximamos de quaisquer barracos, nos lembramos de Bença, do seu modo inteligente de ganhar a vida.

Da última vez que estivemos por lá, não a vimos. Talvez estivesse doente. Talvez tivesse ido para outros lugares expandir seu comércio, ido embora ou até falecido.
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