O
relógio, suspenso na parede, era fiel nas suas longas e largas
horasão. De ponteiros abertos, me fazia lembrar os cristãos
quando oram ou rezam.
Sem
saber, media as minhas lembranças que iam surgindo do esquecimento.
Pudesse está na parede, na estante ou em qualquer lugar, lá estava
eu e ele e algum pensamento perdido, me deixando taciturno e
nauseabundo.
Não
quis ser isso, nem estar com isso. Preferi ouvir da janela o ciciar
da cigarra enquanto o céu azul recaia sobre o meu rosto. Ela dizia,
não só a mim, mas a todos que estavam por perto que o verão se
aproximava. Só que isso lhe custava a própria vida, ou seja,
estaria pocada em alguma parte da estrada no outro dia.
Fui
ate à calçada e tive que abaixar os olhos, evitando os feixes
luminosos do sol. Eles me fizeram lembrar de O
Quinze e de
Vidas
Secas.
O
relógio não me saía da cabeça e as lembranças faziam morada em
mim. Vieram soltas, uma a uma. Boas ou ruins, eram coloridas, cheias
de vida. Ainda na porta, vejo o vento farfalhar nas árvores e
sacudir a poeira de um lado para o outro.
Quando
os levantei, me dei conta que uma vassoura varria para debaixo de uma
acácia mimosa a minha vida feito paparazzi. A princípio, fiquei sem
graça; mas logo em seguida eu a encarei deixando bem claro que eu
não tava nem aí para a peçonha dela.
Voltei
para dentro de casa e o relógio estava do mesmo jeito que eu o
deixei. Talvez a vida religiosa estivesse me perseguindo por algum
motivo que desconhecia, querendo me enclausurar em um de seus
templos. Parei diante dele, retirei-o da parede e o guardei. Não
queria alguém me dizendo ou fazendo lembrar que eu deveria orar ou
rezar. Precisava estar comigo, unicamente comigo; sem intrusos.
Inquieto,
sem saber o que fazer; fiquei sentado no sofá hirto. Mas os ponteiro
do relógio não me saiam da cabeça. E eu fiquei sem entender porque
isso estava acontecendo. Seria o excesso de pensamentos e lembranças
que me atormentavam? Fiquei ansioso para ouvir os tique-taque, mas
consegui pela primeira vez mantê-los a distância.
Foi
a campainha que me resgatou da imersão, me levando para outro mundo
quando me vi diante dos olhos castanhos escuros de Keinha e das suas
poucas sardas. Foram os lábios dela que me trouxeram para a
superfície das coisas.