23 de out. de 2016

Uma banda escrava

— O major Ursulino de Goiana fizera a casa de purgar no alto, para ver os negros subindo a ladeira com a caçamba de mel quente na cabeça. Tombavam cana com a corrente tinindo nos pés. Uma vez um negro dos Picos chegou na casa-grande do major, todo de bota e de gravata. Vinha conversar com o senhor de engenho. Subiu as escadas do sobrado oferecendo cigarros. Estava ali para prevenir das destruições que o gado do engenho fizera na cana dos Picos. Ele era o feitor de lá. O seu senhor pedira para levar este recado. O major calou-se, afrontado. Mandou comprar o negro no outro engenho. Mas o negro só tinha uma banda escrava. Pertencendo a duas pessoas numa partilha, um dos herdeiros libertara a sua parte. Então o major comprou a metade do escravo. E trouxe o atrevido para a sua bagaceira. E mandou chicoteá-lo no carro, a cipó de couro cru, somente do lado que lhe pertencia. 

REGO, José Lins. Menino de Engenho. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2003 – Literatura em Minha Casa; v. 3. p. 77.

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12 de out. de 2016

Que é um conto? Um romance? Uma novela?


Que é um conto? Um romance? Uma novela?

Começarei pela novela, que é um conto grande e não um romance pequeno. Deixe-me falar aqui que é um dos meus gêneros prediletos e um dos menos exercidos não só no Brasil como no mundo. Há poucas obras-primas, como Morte em Veneza, nesse tipo de literatura. Comecei pela novela, ao publicar Um Gato no Triângulo, em 1953, e há mais novelas que contos em o Pêndulo da noite. No livro Soy Loco por ti, América, há uma novela, “A Enguia”, que considero um dos meus trabalhos de maior embalo. Mas a pergunta é o que é um conto, uma novela, um romance? Ora, o conto é um samba, rock, tango, fado ou bolero. A novela é um prelúdio ou rapsódia. O romance é um concerto ou sinfonia. Como o conto, a novela tem um único tema, a mesma linha melódica, e prende-se à descrição de fatos. O romance pode conter vários temas, em contraponto, e o autor dele participa livremente, comentando, discutindo o comportamento dos personagens e expondo suas idéias ou avançando conclusões.


STEEN, Edla Van. Viver e escrever: volume 3. 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p. 46-47
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17 de set. de 2016

De pais e professores todas as crianças estão cheias


Você tem alguma receita de escrever para jovens? Acredita que um autor precisa ser dotado de um talento específico para produzir bons textos infanto-juvenis?


Acredito que sim, mas não sei qual será. Tenho impressão de que a primeira coisa deve ser o cara tirar a máscara professoral e paternalista. De pais e professores todas as crianças estão cheias, por mais que amem uns e outros. Sobretudo, não deve bancar “o mais velho”, sabedor e ensinador de coisas. Dos mais velhos geralmente os mais novos andam cheios também. Os mais velhos, mesmo ainda jovens, sempre se deram o luxo de desprezar as gerações que os precederam. Bobagem, é claro. Todos se esquecem de que infância e mocidade são acidentes passageiros, que o tempo rapidamente apaga. E que a vantagem não está em ser jovem (fenômeno comum a 80% da população mundial), mas em sobreviver e, consequentemente, envelhecer. (Você já viu que eu procuro puxar a sardinha para o meu lado...) Mas por essa fase e esse preconceito da juventude, que eu também tive no devido tempo, todos nós passamos. É natural que a criança, logo que começa a se libertar das dependências e tiranias imediatas, olhe com desconfiança a autoridade, a coerção, a “mais-velhice”, o “não faça isso” exasperante que vem de todos os lados. O primeiro som humano que chega ao ouvido infantil, quando aquela coisinha maravilhosa ainda não entende palavra nenhuma (apenas barulho de amor, é claro...), é uma palavra curta e incisiva, muito parecida em quase todas as línguas: não. O livro infantil deve deixar a criança no à-vontade da não-interferência e do não-temor dos mais velhos. Nem máscaras, nem pose, nem dedo apontado. Não o “não faça”. E muito menos o “faça”. Se ela tem que aprender (e precisa), faça com que ela aprenda com quem conclui ou descobre por si mesmo. As lições da vida e das histórias (ou estórias, parece que não há mais jeito...) devem ser aprendidas por quem vive (sem ouvir o “eu não tinha dito?”) e por quem lê sem que perceba ter sido aquela a intenção ostensiva ou disfarçada do autor. O autor (penso eu, sei lá!) tem que se sentir criança como os leitores que procura. Pertencer, quanto possível, ao seu mundo maravilhoso e transitório, muito superior ao dos mais velhos, que no fundo são uns chatos. E por falar em chatos, fazer possível para não chatear o leitor.

STEEN, Edla Van. Viver & Escrever: volume 1 - 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p.34.

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13 de set. de 2016

O poeta é relações íntimas






Você se lembra de como ou quando descobriu que podia ou queria fazer versos?

 Ser poeta não é uma maneira de escrever. É maneira de ser. O leitor de poesia é também um poeta. Para mim o poeta não é essa espécie saltitante que chamam de Relações Públicas. O poeta é Relações íntimas. Dele com o leitor. E não é o leitor que descobre o poeta, mas o poeta é que descobre o leitor, que o revela a si mesmo.

STEEN, Edla Van. Viver & Escrever: volume 1 - 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008.
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19 de ago. de 2016

Revista Obvious


A Obvious é uma revista eletrônica que publica artigos, resenhas, crônicas e contos escritos em língua portuguesa nas categorias de arte, cinema, literatura, fotografia, músicas...
Abrange os países como Brasil, Portugal, Angola, Moçambique e outros. Sua página no Facebook tem mais de um milhão de curtidas. Os textos estão bem-dispostos na página, facilitando a navegação.
A parti de hoje (19/08/2016) farei parte do maior projeto colaborativo de língua portuguesa na internet. Meu espaço na Obvious pode ser acessado através deste link: http://obviousmag.org/ronperlim. Para conhece-lo, acesse o texto Sem hora para chegar.

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