9 de out. de 2011

Sophós e o chinelo de dedo

Estava Sophós observando as nuvens se tornarem farrapos e o sol cagando para o mundo. Neófito apareceu, dispersando as suas reflexões. Sophós permaneceu em silêncio, intensificando a palidez da face dele. Sem desistir, principiou este diálogo:

— Sophós, estava eu pensando a respeito da palavra crente e resolvi perguntar a Aurélio. Ele me mostrou vários significados, mas foi o de sentido religioso que mais atraiu a minha atenção. Você, o que diz a respeito disso?

— Ora Neófito, a gente deve ouvir a opinião dos outros, acreditar nela ou duvidar. Quando a gente duvida, devemos procurar outras opiniões. Nessa busca a gente rejeita ou aceita ideias previamente estabelecidas. Recomendo que sempre esteja atento ao que se passa em sua cabeça e que sempre duvide, busque as opiniões, investigue e formule as suas próprias. Analisemos, por exemplo, a palavra crente: se ela for precedida de um determinante será substantivo, significando aquele que acredita. Mas quando essa palavra qualifica o sujeito de uma oração, trata-se de uma pessoa piedosa, religiosa. Esse é o significado mais comum, usual. Mas quando se pensa na dimensão dessa palavra, notamos que até os descrentes é crente naquilo que eles acham que seja verdadeiro, excluindo de suas crenças os conceitos religiosos. Fundamentado na anterioridade, defino que crente é qualquer pessoa que crer em algo, alguma coisa, livre de ideias e conceitos preexistentes, tomando como instrumento de suas análises a compreensão do conhecimento e o contexto em que ele estar inserido.

— O que seria a compreensão do conhecimento? Essa ideia para mim é nova. Nunca ouvi antes!

— Vivemos a exposição do conhecimento. Ela é diversa e abundante. Ocorre que essa exposição é mal aproveitada, melhor dizendo, compreendida porque a maioria das pessoas assimila horizontalmente determinadas partes do conhecimento simplesmente para lhes atender necessidades imediatas, sem pensar filosoficamente no conhecimento que se esconde nas palavras. Quando uso a expressão compreensão do conhecimento me refiro ao desprendimento do discurso ideológico, da busca da compreensão da leitura vertical para que as pessoas assimilem e formulem as suas próprias opiniões; tornando-se críticos ante a variedade de leituras as quais estamos submetidos.

— Sophós, escute este fato: estava outro dia, na pracinha que fica defronte a igreja matriz e certo senhor olhou para o filho e lhe disse duramente: “Rapaz, tire esta barba, porque você tá parecendo um marginal.” Diante dessa narrativa, há ou não a compreensão do conhecimento?

— Todo discurso para ser compreendido deve ser analisado levando em conta o contexto. Se você atentar diligentemente para este pai, notará que ele se apropriou de um discurso para expressar o amor que sente pelo filho.

— Não posso concordar com você porque esse filho há de viver aquelas palavras frustrante e ficará revoltado, triste, cabisbaixo e poderá perder o afeto, feição natural pelo pai, extravasando a sua revolta por aí.

— Neófito, a insipiência vista por um insipiente cria violência. Literalmente a expressão é dura, porém observe: para esse pai, o homem sem barba é o homem de bem, aceito pela sociedade. O homem barbudo se assemelha com os marginais. O que o pai fez foi uma comparação, tentando impor sua autoridade sobre seu filho. Isso ocorreu porque não houve diálogo com esse filho. Se o filho estiver ao mesmo nível de ignorância do pai; certamente existirá conflitos externos e internos. Todavia, o pai exprimiu amor, zelo, carinho de uma maneira desordenada. A fala daquele pai demonstra duas coisas:

1ª – O pai se utiliza de um discurso pronto, acabado, que ele aprendeu em sua juventude e dele não se desprendeu. Para ele o querer impositivo é a maneira de opinar sobre determinados assuntos ou solucionar problemas, deixando de lado o diálogo;

2ª – Estar claro na fala dele a ausência da compreensão do conhecimento porque não se buscou compreender as consequências que aquela fala poderia trazer.

Atentos nas idéias, foram pegos de supetão pelas lágrimas da filha de Neófito que, ao se aproximar do pai, desmaiou. Mais tarde Sophós soube que a esposa dele havia falecido.
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3 de out. de 2011

O Diabo quer língua nova

Às fofocas são repetitivas que nem o Diabo quer, já que ele é o pai da mentira.
Tão repetitivas são que nem para sacrifício serve.
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24 de set. de 2011

O menos pior ou quem dar mais

A paranoia se instala nos assentos. Neles, ela discorre livremente. Às vezes com intensidade e outras com breves intervalos opinando sobre esta ou aquela possível coligação.


Os paranoicos tratam do perfil do candidato pondo como elemento essencial e indispensável o dinheiro; instrumento capaz de organizar e manter um grupo político (bases aliadas) para disputar as eleições, sem levar em conta as vidas pregressas dos pré-candidatos muitas vezes citadas de forma amena, aceitável.

Assim ficam os montículos de “cientistas políticos de chinelo de dedo” especulando, decidindo o rumo da eleição, tendo certeza que: quem dar mais tem condições de formar um grupo político mais robusto, capaz de disputar e ganhar uma eleição; restando apenas o menos pior, com pouco dinheiro, com esperança que os eleitores enganem o candidato que dar mais e votem contra.

E não é só isso que acontece nesses encontros paranoicos. Há os revoltosos que não voltam em ninguém, os que se sentem ofendidos porque este ou aquele político migrou de um grupo para outro e os que só ouvem, sendo um elemento perigoso; e os que tratam políticos condenados com gracejo. Estes são os desacreditados.
E ficam por ali gastando horas e horas conversando esses assuntos para, no outro dia, repeti-los; tentando convencer uns aos outros que o menos pior é melhor em quem dar mais ou vice-versa.
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17 de set. de 2011

Na boquinha da garrafa

Eram três os que na lancha entraram. O primeiro carregava bolsas plásticas contendo quinquilharias, o segundo trazia na mão esquerda uma garrafa de pinga e o último trazia moedas em uma das mãos. Sentaram-se no banco de madeira.

Conversavam algumas coisas, balbuciavam outras, entre risos e irritação. O homem que segurava as moedas se dirigiu para o mais jovem do grupo. Alterado, disse-lhe:

—O que você tá dizendo, seu porra? Caralho!

— Nada não. Tá doido é?

Aquele que segurava a garrafa interferiu, dizendo:

— Vamo pará com essa arenga besta. Seus dois bestas! Vamo toma é mé.

Pegou a garrafa, tomou um gole, passando-a de mão em mão; retornando as suas conversas com frases e gestos curtos. Somente a garrafa, com sua boca circular e áspera, aceitava aqueles beijos bacanais.

O restante dos passageiros deixou as estripulias deles prá lá, voltando-se cada um para seus estados de espírito.

Os rostos eram tão diferentes, as histórias psicossociais, os sofrimentos escondidos no mais secreto do coração, no mais profundo miolo do pote onde ninguém consegue penetrar.

E eu estava incluído neles também. Os via, não com os olhos que lacrimejam, mas com aqueles que não se veem.
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9 de set. de 2011

Dualismo

Se não houver uma conscientização coletiva no fazer político

Se a contradição da facilidade e das exigências políticas não forem desfeitas

Se o voto continuar na balança e a sociedade não se organizar em núcleos de reeducação política

Se a expressão “rouba, mas faz” não for excluída

Se o convencimento pueril de que a corrupção é um elemento cultural

O estardalhaço midiático só venderá

As crônicas não chegarão aos mais simples

E o poder nunca virá do povo, mas de uma relação comercial
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