7 de jul. de 2011

O sorriso de Nizinho

O pré-púbere o acompanhava. Ao perceber, adiantou o par de tênis e a ansiedade acelerou no peito. Olhava de um lado e de outro, tendo a impressão que aquela criança se aproximava. A criança insistia em persegui-lo, dizendo:

— Por que o senhor tá em silêncio e tão apressado? Eu preciso falar com o senhor. De hoje que chamo você. Ah! O senhor não quer falar com eu, né ? Então, pare agora; se não eu atiro!

O homem parou ofegante, as pernas tremiam, o suor e a palidez apoderou-se de sua face. Volveu-se para a criança e foi recebido com um riso. Sem pestanejar, disse-lhe:

— Quando o senhor saiu da padaria deixou cair isso. Aí eu vim as pressas para devolver ao senhor.
O homem ficou pasmo, permanecendo em silêncio.
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5 de jul. de 2011

Largue o meu pé

Érico não costumava ouvir a mãe. Preferia a língua dos assentos das praças. Só que aquele jeito levado dele irritava a sua mãe que todos os dias chamava-o para ir à escola. Era assim:

— Ô Érico, meu filho, não vai hoje prá escola não? Só que tá nais bancada. Vá tomá banho, vá. Já tá na hora de ir prá escola, menino!

Ele deixou os colegas no assento, entrou irritado, volveu-se ela e disse::

— Como é que a senhora fala desse jeito comigo, na frente de meus amigos. Ficaram tudo mangando de mim.Tá bom deu não ir prá escola nenhuma.

Ela o olhou cuidadosamente e disse:

— Se você não tem o que querer. Enquanto você viver debaixo da minha vista, terá que me obedecer. Se não, arrume as suas coisas e vá embora. Você já tá bem crescidinho. A vida é quem ensina.

E deu-lhe as costas, indo à cozinha.Ele nada disse. Pegou a bolsa e foi à escola, não por vontade livre, mas pela imposição da mãe.

As ruas, naquele dia, estavam pálidas e tudo o que nelas haviam. Somente a revolta, o tédio, as frustrações o acompanhava. Para ele a escola nada significava. No trajeto se encontrou com Mota, seu vizinho, que também não era muito de estudar. Aproximou-se do amigo, pôs o braço em seu ombro e com um riso libidinoso, iniciou este diálogo:

— Érico, nóis vai hoje [1]gaziar. Vamo procurá as meninas e namorá com elas. Vamo?

— É Mota, vamo mermo! Depois a gente toma uma. Já tôu mesmo com raiva.

— Vamo lá. Fernanda tá com uma blusinha! Só você vendo.

E se foram corando as ruas e esbanjando a libido.

[1] Matar aula.
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3 de jul. de 2011

Os prefeitos, a folha paralela e os cognatas

Nas cidadezinhas, os prefeitos quando estão em apuro financeiro (nunca deixam de estar) costumam dizer que “não tem dinheiro”, que “os repasses diminuíram” e vão empurrando a administração com a barriga, digo: com a língua e remendos.
E assim vivem eles: um tapinha nas costas num dia, óculos escuro noutro, notas frias ali, vereadores passando no bolso por aqui. Mas as cidadezinhas continuam as mesmas: prestando serviços públicos devagar, faltando-lhes as bananeiras e os burros de Drummond.

Essa falta de dinheiro que a maioria dos prefeitos dizem que “não tem” é justificada por vários motivos. Um deles é tão comum, tão familiarizado que todos praticam-no: é a folha paralela.

A folha paralela é uma folha política, a parte; ajeitada por causa dos compromissos eleitorais. Para mantê-la, eles negam reajustes salariais a servidores e prestam serviços públicos sem qualidade. Assim estar distribuída: para os cabos eleitorais, polícia, parentes, amigos, financiadores de campanha (agiotas, comerciantes etc), o bolsa semanal, os contratados, servidores públicos apadrinhados e há situações em que membros do Judiciário fazem parte dela. A folha paralela é um problema político longe de ser resolvido, graças a mercantilização do voto.

Além dessas coisas aborrecentes, há os infelizes cognatas. O cognata é o papagaio do político. Ele repete aquilo que ouve dos prefeitos, deles adquirem alguns hábitos, acham graça em tudo o que dizem e sempre procuram, de uma forma ou outra, justificar as falhas administrativas e pessoais deles. Estão em todas as partes, em todas as classes e deles não se exige escolaridade. É apenas um animalzinho, nada mais.
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18 de jun. de 2011

A serva


Quando percorreu as linhas horizontais do bilhete, notou a deficiência da grafia, da ortografia, do ensino fundamental. Eram dizeres rústicos, pueris, seguidos de entusiasmo e contentamento. Tratava-se de mais uma na infinita lista da libido.

Nele estava pedidos de desculpas, lamentações de um encontro realizado amargo; simplicidade amarela. A esperança não adornou mais o eu, murchou, caiu. Sentimento de culpa, pedido de entendimento. As palavras não explicavam o código. Uma saudação carinhosa.

Ela dizia: “ (...) eu gostaria...o que eu...eu jamais vou esquecer...quando eu chegar (...)”. Estas eram as palavras de quem desconhecia seus próprios sentimentos, utilizando de vocábulos espontâneos; emergido do íntimo.

Apesar de as palavras serem escritas com tinta azul, eram tortas, tontas, avermelhadas que expunha o ser vestido de carne no papel, vindo com ímpeto de dentro para dentro... Uma pintura na íris.

— Você está partida em pedaços. Tenho nas mãos os sentimentos e a linha para coser a roupa das lágrimas. Um hálito suave ameniza a perda. As cicatrizes trarão aos olhos as lembranças.

Mas o insistia: “(...) te adoro...muito bom...encontra com você... o que cinto... não...escrever...gosto de você...demais...tchau...beijo....abraço....ass...” esqueceste do “S” e fizeste cinto, que te aperta de uma só vez, várias... o teu nome é um sigilo cardíaco nas asas do pássaro e na liberdade do vento.

Guardarei com afeto natural o teu estado de emoção. Olharei as linhas verde das folhas e verei escrito nada a teu respeito. Este é o meu sigilo verde, mudo.
Outubro de 1997.
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8 de jun. de 2011

Creditados

O povo estar desacreditado, por isso, barganha o voto.

O desacreditado é a pessoa que perdeu a confiança. No contexto político diria que o eleitor desacreditado perdeu primeiramente a confiança em si, substituindo-a pelo desânimo, pela passividade ante os acontecimentos e, ao invés de reagir, preferem a “cultura” da impiedade, do jeitinho, da facilidade. Falta na maioria do eleitor brasileiro o interesse pela política. E o seu desinteresse é daninho para todos.

A população de desacreditados não tem face, nem classe social, nem escolaridade. Exterioriza a sua insatisfação pessoal e coletiva quando lê ou assiste ao estardalhaço midiático desse ou daquele gatuno. Como não vê os políticos irem para a cadeia ou devolverem aos cofres públicos o dinheiro desviado para outros fins, reclamam deles, do Judiciário. Criticam-nos e a maioria ainda dorme sem ser a Adormecida.

Como essas práticas são contínuas e a impunidade é o mel da mancebia política, o eleitor brasileiro apenas se sente um elemento dessa população, vencido, desgarrado; pois, associa as práticas de corrupção e abuso de poder somente como práticas ilícitas sem perceber que elas estão entrelaçadas ao comércio eleitoral tão comum nas cidadezinhas e bairros dos grandes centros.

E se convenceram que devem barganhar porque não mais acreditam naqueles que se candidatam, pois, todos que ocupam cargos eletivos se corrompem ou irão se corromper. O problema é que o eleitor, assim pensando, estimula não só a prática da corrupção; mas abre a porta para que todo tipo de pessoa se candidate, compre “[1] (...) o poder que emana do povo (...)”.

Por isso digo: a maioria não vota pela análise. Vota pelo impulso, pela corrupção (a maldita compra de voto), vota sem compreender o sistema político, aceitando-o como se um hábito fosse. Para quê? Para reclamar.

[1] CF. Art. 1º, parágrafo único.
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