Ele estava na praça, concertando uma estante de armazenamento; dessas que se usa nas pequenas lojas para entulhar roupas e livros de forma imprópria. Aproximei-me, cumprimentei-o e pausei por alguns instantes; o necessário para ouvir dele que um suposto amigo havia delatado-o a um político sem mandato, mas com chances de se eleger na próxima eleição.
Mesmo com aquela mágoa no peito, falou-me que aquele político o tratara como antes, sem cara amuada; que passou por ele e acenou com a mão, demonstrando na sua falácia satisfação, pois, os gestos do político lhe conferiam algum prestígio, assim pensava ele com um riso sarcástico. Ao retomar a sua mágoa, tratou com desdém o suposto delator, esbravejando adjetivos vulgares a mãe deste, pleno de certeza que ainda tinha “moral” com aquele candidato.
Eu não o fitava por muito tempo porque ele insistia naquele conflito, na condição de vítima, na existência de um suposto delator, pois, desconfiava de quem por ele passava e não lhe saudava. Percebi nas palavras dele um pretérito de barganha que o punha em uma situação de risco, pois, mesmo com o rabo preso ao passado, estava pronto para deixar a velha militância porque naquele pretérito alguma coisa ficou mal resolvida. Naqueles instantes que estava com ele, meus tímpanos não estavam para aquelas infelizes picuinhas, nem aberto o meu coração. A única coisa que os meus tímpanos queriam era o silêncio das coisas.
Eu o ouvia, balbuciava algumas palavras, esperei-o se esvaziar. Quando notei que a sua ansiedade, sua língua se movia pouco; estendi-lhe a mão e me fui com uma certeza: era mais um daqueles que só se sente gente quando participar de um mandato, nem que seja mijando ao pé do poste.