5 de set. de 2010

Ruas vazias e solitárias


Vestiu a bermuda surrada e nem se deu conta. A mãe balbuciou alguma coisa, mas ele meneou a cabeça e saiu. Lá fora, as ruas estavam vazias e solitárias para os seus pés. Durante o trajeto, pensava: 
— Amei-a sem limites. Doei-me sem interesses pessoais. Ocupei-me com os problemas dela, vivendo-os como se fossem meus. Mas, o que me restou? Restou-me a humilhação, o cansaço e a chacota. Além disso, mamãe fica no pé, azucrinando a minha cabeça para eu não cair mais numa daquelas.
Caminhando pelas ruas daquela pequena cidade não surgiu um ouvido, uma língua, um olhar terno, meigo que lhe servisse de bálsamo. A alma, movendo-se de amor e para o amor, encharcava-se de angústia. Muitas vezes sentia-se perdido e tinha a sensação de estranhamento de si e das coisas.
Alguém o chama. Ele ergue a cabeça, reconhece a turma que estava na porta de um mercadinho e se dirige para lá. Ali, a mesmice parara e nela sua integridade fora violada, sua solidão, seu solteirismo posto em dúvida. Então, na sua serena aparência, elástica compreensão, saiu tranquilamente com o olhar voltado para o chão, a procura de algo que os seus interlocutores não veem.
Convencido de que aquelas pessoas eram tolas, mas nem por isso as julgavam, pensou:
— A vida neste lugar tornou-se um ciclo: a violação da vida alheia, da solidão, da opinião política; além dos gracejos inconvenientes, recheados de críticas e desdém na variedade de risos. Eles são bobos. Não entendem a vida. Prendem-se demais em coisas fúteis, medíocres. São tontos! Não percebem, não vivem e; vivem dos outros, para os outros. Não ousam nem explorar as profundezas das ideias, dos pensamentos, das emoções. A maioria deles vivem no abismo, na escuridão das suas próprias angústias.
Houve um tempo que essas manias dos seus conhecidos o perturbavam, deixando-o sem direção, sem rumo e muitas vezes, quando deles se afastavam, os olhos rasos de lágrimas. Só que ele esvaziou tudo isso de si quando percebeu a tolice de cada um deles e a não culpabilidade. Afinal, era apenas uma reprodução de hábitos; maldosos, mas um hábito.
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30 de ago. de 2010

A Oswald redescoberto

— O Brasil foi descoberto ou descobrido?
— Não. Ele foi achado!
— Despido?
— Rapaz, ele foi vestido.— O Brasil quando foi achado, estava pelado.
— Não tinha frio, nem resfriado.
— Mas quando vestiram-no, sentiu frio e resfriado.

LIMA, Ronaldo Pereira de. Agonia Urbana. Litteris Ed.: Quártica, Rio de Janeiro, 2009.
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20 de ago. de 2010

Biritando com Baco

No copo é colocada a loira que reunia na mesa algumas pessoas.
Mas meu copo esquecido ela não enchia, apenas me excluía apesar de biritar com Baco.
Eu estava bem trajado, mas desempregado e o que vale é o alto que não tinha
Baco me olhava.
A loira sumia no meu copo rasgado.
Que mexia com o corpo descoberto a dureza de excluído, incluído todo dia.
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4 de ago. de 2010

Possuídos pela barganha

É com pesar e intensa melancolia que noto as pessoas possuídas pelo convencimento passivo diante das várias situações políticas. O período eleitoral é uma oportunidade para a barganha e elas não se envergonham em dizê-la. 

Tão convencidas estão que não pensam nas maldades que praticam quando de suas casas saem para votar em políticos com vidas pregressas maculadas. Esquecem-se que as leis são criadas por políticos que compraram mandatos. Há os tolos que acham que, se não comer naquela ocasião, não irá mais receber um suposto benefício. Esquecem-se que a individualização do voto priva os benefícios coletivos, tais como: segurança, educação, saúde, transporte público, dentre outros; tão explícitos no sensacionalismo da mídia que reflete a má escolha dos empregados eletivos.
 
Essas escolhas ruins fazem pais e mães perderem filhos para as malditas balas achadas, para o tráfico de drogas, para os homicidas, os maníacos, os leitos dos hospitais e das unidades de saúde sucateados. Isso ocorre graças à omissão de um Estado incompetente, irresponsável que negocia o voto, ao invés de reeducá-lo.
 
Há quem ache que o povo simples é o único culpado. Só uma olhadela no sistema faz algumas pessoas pensarem assim. Sei de uma coisa curta e certa: se juízes, promotores, procuradores, comerciantes, servidores praticam a barganha; o quê, então, dizer de um povo que depende de um dia de trabalho? Não há nada o que dizer.
 
Tem muita gente se regozijando com a Ficha-limpa. De fato, um passo importante na história eleitoral, mas essa lei só servirá para os tribunais. O problema no processo eleitoral deste país estar nas pequenas células. De nada vai adiantar leis, leis se a maioria do povo é analfabeta política. O que se espera, então, dessa maioria? Escolhas ruins, políticos ruins, ações ruins. 
 
Por isso, estarei enclausurado estes dias nas minhas reflexões, procurando compreender o que nelas ocorrem e compreender as que vêm de fora, nas bocas, nos rostos, nas asas tortas.
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23 de jul. de 2010

Correndo do amor

Sentada no banco da praça e de cabeça baixa, soluçava. O soluço era resultado de uma paixão inacabada que a punha numa situação dolorosa. As lágrimas desciam impetuosas pela face e a mente se metia em confusões, as malditas confusões.
 
A única coisa que conseguiu naquele momento foi desejar alguém por perto, algum amigo para lhe afagar, doar uma palavra de carinho, conforto. Mas as lágrimas, as infelizes lágrimas era quem lhe faziam companhia. Ah, que triste companhia que alguém pode ter num momento como este!
Sentiu uma mão tocar seu ombro. Assustou-se! Sem olhar para trás, nem pensar duas vezes, levantou-se com pressa e saiu correndo. Corria, corria e já não sabia por que corria. O homem que a tocara sentou-se no banco esperando-a porque sabia que ela voltaria no meio da noite. Então ele riu para si, ria para o silêncio, ria apenas.


PORTO LITERÁRIO, ANO II – N.º 54 – DE 06 OUTUBRO - 2003.
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