14 de set. de 2019

É em casa que se aprende a barganhar


“O candidato foi à casa do meu avô. Meu avô pediu certa quantia em dinheiro. Ele disse que voltaria, mas meu avô esperou, esperou, esperou e ele não apareceu. O outro candidato foi conversar com meu avô, pediu um prazo para arrumar o dinheiro. Ele arrumou o dinheiro e todo mundo lá em casa vai votar nele. Ele é quem vai ganhar a eleição”.

A citação acima mencionada compõe uma minúscula parte de um gigante texto do fazer político deste país. Nela, nota-se três gerações: a do avô, a dos pais da criança e a da própria criança que fala naturalmente da prática do comércio eleitoral com entusiasmo, torcendo pelo candidato que “(...) arrumou o dinheiro (...)”.

Faz algum tempo que escrevo a respeito desse comércio e sempre procuro descrevê-lo com base em experiências. Não quero nelas fazer simples descrições, mas propor reflexões. O eleitor brasileiro tornou-se dualista e objeto de disputas ferrenhas de políticos profissionais.

A fala acima deixa explícito a prática da corrupção passada de geração para geração, tornando-se uma oportunidade para o benefício pessoal. E não pense ninguém que a fala daquela criança está entrelaçada com a pobreza, com a fome. Engana-se quem assim pensa, quem produz charges e vídeos com tais características, pois, a individualização do voto não escolhe a cor, a classe, o poder aquisitivo.

As palavras da pré-púbere são límpidas e cândidas, pois, ao encher a boca com entusiasmo não compreende que essa prática tão comum (confundida como elemento cultural) afetará toda a estrutura organizacional da sociedade da qual faz parte, pois, eleitor que negocia o voto não só descaracteriza o poder que emana do povo, mas macula toda uma sociedade que padecerá com atos ilegais praticados pelo Legislativo e Executivo.

A pré-púbere, filha de uma professora, segue sua fala sem dar aparte a ninguém, dizendo: “O candidato foi a casa de minha mãe. Ela disse que só votaria nele se ele desse um emprego pra ela (ela é servidora pública) porque ele tinha prometido na eleição passada, ganhou e não cumpriu com a palavra”.

PERLIM, Ron. Viu o home? Rio de Janeiro: Letras & Versos, 2015.
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7 de set. de 2019

As opiniões do jornais são as suas opiniões?


As opiniões dele são as opiniões dos jornais (grifo meu). Como, porém, essas opiniões variam, padre Silvestre, impossibilitado de admitir coisas contraditórias, lê apenas as folhas da oposição. Acredita nelas. Mas experimenta às vezes dúvidas. Elas juram que os homens do governo são malandros, e ele conhece alguns respeitáveis. Isso prejudica as convicções que a letra impressa lhe dá. Necessitando acomodar as suas observações com as afirmações alheias, acha que os políticos, individualmente, são criaturas como as outras, mas em conjunto são uns malfeitores.


RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 2008. p.150.
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4 de set. de 2019

Pai

1Por Cleberton Santos
Feira de Santana, 04 de setembro de 2018.

Meu pai,
Vamos lavar as pedras,
Sim, vamos lavar as pedras,
Para retirar as impurezas da alma,
As impurezas da pedra,
As impurezas do nosso corpo,
As impurezas da morte,
Vamos meu pai,
Lavaremos as pedras que ainda sobram em nossos caminhos,
Lavaremos as pedras banhadas de sol,
Lavaremos as pedras com todas as nossas lágrimas.

Meu pai, 
Vamos lavar as pedras da solidão,
E descansaremos em paz nas terras do perdão. 

1 Cleberton Santos (14/05/1979, Propriá/SE). Poeta e professor do IFBA campus Santo Amaro. Mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS. Publicou os livros “Ópera urbana” (2000), “Lucidez silenciosa” ( 2005) “Cantares de roda” (2011), “Aromas de fêmea” (2013), "Estante Viva” (2013 ) e "Travessia de abismos" (2015). Vencedor do Prêmio Escritor Universitário Alceu Amoroso Lima da Academia Brasileira de Letras (2002). Apresenta o podcast “Aperitivo Poético” na Rádio Globo. Edita o blog http://clebertonsantos.blogspot.com.br

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29 de ago. de 2019

Finalmente deixaste o debruço

Da janela, você olha a relva brilhar na praça. Sem se cansar, observa as flores do pé-de-matafome tremularem. Mas se surpreende quando um beija-flor vai em cada flor do hibisco. Elas, avermelhadas e sorridentes, recebem com alegria aqueles beijos. Beijos que serão levados para outras bandas. E para completar, a claridade da luz ilumina tudo, até o jardineiro lá na ponta da praça. Ainda na janela, pés vêm, mãos vão e você continua inerte. Saber o que se passa contigo é impossível. Já dizia Coélet: "(...) há tempo para todo propósito debaixo do céu". Parece que entendeste o que ele quis dizer. Finalmente deixaste o debruço.

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