Uma criança de
cabelos crespos, sem camisa e de short
preto sacudiu o meu braço, me pediu moedas, fazendo-me abrir os
olhos. Aquela criança barriguda, de braços finos, descalça e com
uma remela no olho direito; fez-me perceber pela primeira vez a face
nua de alguém.
Tive ternura e
aversão, mas continuei a monologar, me esquecendo por alguns
instantes dela. O menino não desistiu de mim, nem se dobrou a minha
indiferença. Era um filho da rua que resistia a um homem que não
estava num de seus melhores dias, sem saber quem era.
Não dei o que ele me
pediu, mas aquela voz falida me entrou pelos olhos. Fiquei
envergonhado porque estava sem dinheiro, fazendo-o esperar. Assim que
percebeu, saiu me olhando de soslaio, me achando estranho ou louco,
quem sabe. A minha estranheza tinha nome, idade, tamanho. Isso ele
nunca saberia. E a minha estranheza,
com
o passar dos dias, tomava outro rumo.
Assim que ele se foi,
eu também me fui.