Vida ou Morte? |
A
cadeira rangia. Ela
reclamava
por conserto, deixando ele incomodado e mal-humorado. Dela, ouvia-se
o último coaxar dos sapos vindos do quintal que dava numa lagoa.
Nisso,
lembrou-se daquela
criança que viveu vida dura nos canteiros, nos lotes de arroz e na
pescaria. Percebeu que a sua migração para a cidade frustrou suas
perspectivas de uma vida melhor.
Com a
cabeça cheia, precisar
sair.
Ficar
em casa só seria
receber cobranças da mulher e dos fiadores. E
para isso, ele não estava pronto.
Na rua,
andava
sem rumo; até se debruçar
no cais de arrimo e dele observar um pé-de-matafome cheio de vagens
verdes e avermelhadas pronto para pardais vindos de todas as partes.
Mas
foi uma criança, às margens do rio, descalça, de short
azul e sem camisa que chamou a sua
atenção.
Ela levava no ombro um jereré para pescar saburica em meio ao lodo,
dejetos humanos, bolsas plásticas, garrafas descartáveis presas às
orelhas-de-burro e caramujos em abundância nas partes rasas do Rio.
Aquela
criança o fez lembrar de muitas coisas e pensar em outras que ele
não desejaria. Saiu revoltado, foi ao bar de Lió, arrumou confusão
por lá e voltou para casa, deitando-se no sofá.
No
outro dia se levantou cedinho para pescar.
Ao
retornar da pescaria, encontrou Alberto de cócoras jogando pedrinhas
às margens do rio. Ancorou a canoa, aproximou-se dele, tocou-lhe o
ombro e disse.
— Algum
problema, meu amigo?
Tá todo desconsolado. O que foi?
— Meu
pai morreu!
— Ô
rapaz, que coisa. Meus sentimentos!
Essas
foram as únicas palavras proferidas entre eles. E logo percebeu
que o amigo precisava ficar só. Deu até logo e se foi carregando
seus objetos de pesca. Na ida, enquanto subia os degraus do cais de
arrimo, pensava na morte. Pensava porque sentia cansaço no corpo e
na alma.
Ao
chegou
na
porta de
casa. Barão o recebeu com alegria pulando sobre ele. Artur
simplesmente passou a mão sobre a cabeça dele e o acariciou. Entrou
em casa.
No
sofá, o filho do meio, pálido, não atentou para a chegada do pai.
Estava entretido com uma revista. Não era só a revista que o
entretinha; era a indiferença. Artur pôs o leme no quintal, jogou o
saco que estava dentro do balaio no canto da parede e foi direto ao
banheiro.
Enquanto
a água fria tomava a forma do seu corpo, ele pensava na face de
Alberto. Nunca vira o amigo tão abatido. A única coisa que podia
fazer naquele momento era apoiá-lo. Vestiu-se, penteou o cabelo.
Quando colocou os pés fora do batente, sua mulher o interpelou:
— Já
vai sair? Mal chegou da pescaria e já vai pra
rua?
— O
pai de Alberto faleceu. Você não sabia?
— Não,
não tava sabendo, respondeu ela descabriada.
— Ele
tá lá na beira do Rio todo desconsolado. Vou lá dar uma mãozinha
pra ele. Não sei que horas voltarei. E pare com essa mania de me
censurar.
Ela
calada estava, calada permaneceu; voltando-se para seus afazeres.
Alberto,
com os olhos lagrimejantes, notou Artur se aproximar. Depois, lhe
disse:
— Prá
que serve trabalhar tanto nesta vida. T’aí, meu pai; morreu e a
gente nem o caixão tem pra enterrar ele. Eu e meus irmãos temos que
pedir prós políticos, ficar devendo favor prá esse povo que só
faz isso atrás do voto.
Sem
ter o que dizer, Artur permaneceu ao lado do amigo silente,
contemplando as águas serenas do
Chico enquanto este se esvaziava. Ao perceber a
fragilidade dele, pensava na maldade do mundo, sem compreender como
alguém é capaz de se aproveitar de uma situação dolorosa como
essa.