28 de jun. de 2010

A espera de um candidato

Mauro estava de pé. Com o celular abaixo do queixo, fazendo gestos como se estivesse num palanque ou tribuna. Era branco, cabelos lisos e sedosos. Carregava no rosto vestígios da adolescência. Eram espinhas fossilizadas. Calçava tênis e vestia jeans.

Falava de promessas e algumas pessoas o rodeavam, enchendo o coração e as cáries de alegria - Um menino passou de lado, catando as latas de refrigerante e cervejas que nós havíamos bebido. O vento fazia pequenos redemoinhos de poeira, fazendo os cílios se encontrarem para proteger às córneas.
Zuuuuummm... 

Uma carreta passou pela BR e Mauro falava, falava na ponta dos pés, voltando-se para uma plateia magérrima.

Alguém passou, pôs a mão no meu ombro. Eu o respondi com um sorriso contido. Biro se aproximou, estendeu aquela mão grande e fria. Demorou um pouco e depois saiu à cachorro. 
Saímos. 

Dentro do carro Ademir falava com gosto e alegria, contente de coisas pálidas. O rosto dele era redondo, nariz afilado, bojudo e usava óculos. Chegamos. Avistei de longe uma multidão exposta ao sol e já fazia algum tempo. Sim, uma multidão que esperava quinze reais e a vontade de um senador. Eu apenas olhei a movimentação daqueles olhos pequenos, famintos, descaídos e pálidos, segurando bandeiras. Que contraste, meu Deus!

Depois eu desapareci sem que ninguém sentisse a minha falta, até porque os meus olhos se fartaram daquela ignomínia.
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23 de jun. de 2010

João sem São

É tempo de João, de prece e de Gonzaga.

É tempo de bomba, chuvinhas, milho assado.

É tempo de cavalgada, de rostos pintados, de arrasta-pés.

È tempo de fumaça, de olhos ardentes, de poluição.

É tempo de cheirar a fumaça, de beijar na fumaça, de beber na fumaça.

Esse é um dos tempos no tempo.
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10 de jun. de 2010

Desencontro

A menina não saiu no meio da noite.

Ela fugiu com o sonho na boca e não voltou mais.

Encheu a boca de orvalho e foi de cara nua…

A menina que parecia solta, foi levada pelo encanto de sua sombra ao pé de um poste.

A rua, naquela noite, não a quis mais.

Amanhã é outro programa.
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1 de jun. de 2010

Receitas A4

Euforia, paixão, gritos estrídulos moviam-se no calor das passeatas de rua em rua. As bandeiras são verdadeiros estandartes. Os eleitores quando se deparam com pessoas de outro grupo, as recepcionam com vaias e os mais afoitos com gestos obscenos. O líder nada faz, mas demonstra certo sarcasmo.
Passada essa fase de comícios e pede-pede de votos, chega a semana da eleição. Os grupos se reúnem para traçar os pontos estratégicos do comércio eleitoral. Os líderes convocam os cabos eleitorais, discutem o que deve ser feito e começam agir, geralmente na calada da noite feito ladrão. Mas são os últimos três dias da eleição que as coisas acontecem e esquenta. As pernas dos eleitores são substituídas pelo frenesi dos pneus. São uns atrás dos outros para “impedir” a compra e troca de votos.  
No dia as coisas aparentemente são calmas. A polícia, o MP (quando não escolhem um grupo) ficam na espreita tentando muitas vezes impedir a famosa boca-de-urna. Mas o vício é miserável e muitas vezes difícil de perceber, detectar. A criatividade é algo que acontece, pois, usaram nesta última o cachorro quente (retiravam o miolo do pão e punham dinheiro).
O resultado da eleição é divulgado, os vencidos se trancam em casa, as ruas são tomadas de novas passeatas, as músicas das campanhas são escancaradas, provocações são ditas para todos os lados e muita bajulação. Passada a essa euforia do dia cinco, a chateação perdura por alguns dias, novas caras aparecerem nas repartições acompanhadas de assédio moral, as promessas não cumpridas dão lugar as esculhambações; os que tinham esperança de um emprego perdem-na.
As vidas são retomadas.
Mas aquele mesmo eleitor que se cansou nas passeatas, nos transportes precários, que bebeu bebida ruim, que ganhou intrigas; vai à unidade de saúde, consulta-se e o médico em ¼ de papel A4 prescreve a medicação. O eleitor sai, vai à farmácia da unidade e de lá sai desapontado porque falta remédio. Com a receita na mão, sai desesperado a casa do prefeito (a), mas nunca o (a) encontra em casa ou na prefeitura. Mesmo assim, não desiste, caindo no bolso do vereador, antecipando a venda do voto que, na maior parte dos casos, não é vantajosa para quem compra; assim eles alegam.
Essa é uma demonstração de muitas do comércio eleitoral na base política deste país. Base essa construída sobre areia.
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