27 de fev. de 2010

Oscilação


O vaivém retido nos meus olhos me põe em estado de estátua. Minha aparência de dentro me dá uma face de vários ontens, consumindo-me inteiro.

Ondas se levantam e me sacodem a beira de minhas pálpebras cansadas. Ondas que não vem do mar, mas de mim.

Meu corpo não se importa com a agitação das bocas, das palavras, das pernas exaustas e urbanas... Alguma coisa mexe, se aloja, faz ninho. Minhas são as horas cheias de calma num balanço das ondas…
Meus ouvidos são do ser vestido de carne que ouve apenas os sussurros oniscientes. 
Essa manhã não estou para o mundo.
Lima, Ronaldo Pereira de. Agonia Urbana. Rio de Janeiro, RJ, 1ª ed., CBJE, 2008.
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7 de fev. de 2010

Pequeno, mas maior que o mundo


Eu estava deitado no meu silêncio e uma súbita amiga quebrara-o, assim como eram quebradas as suas lágrimas. Ao vê-la, emudeci, vivi e senti a morte com repugnância e mal-estar.
 
As lágrimas dela tinham uma nobre explicação: seu filhinho, absolutamente seu; saído de suas entranhas e quentes estava adoentado. A sensibilidade daquela pobre mãe invadiu os meus tímpanos, explodindo sob os caibros o desespero, o desequilíbrio, a necessidade. Com veemência que só as mães possuem nesses momentos, ela se dirigiu a outra mãe e disse:
 
— Mulé, me empreste dinheiro para eu comprar remédio pró meu filho. Já fui pró SESP e lá não tem não. Procurei o prefeito e ele nem me deu atenção. Se eu não comprar remédio pró meu filho, ele pode morrer. Ele não pode ficar sem esse remédio. Lhe peço pelo amor que você tem a Deus e a seus filhos que me empreste (Os olhos dela eram duas fontes de amor, carinho, cuidado…).

— É uma pena mulé, mas não tenho. Se tivesse, taria em suas mãos (Minha mãe se comoveu e as lágrimas dela se uniram as da amiga).

E o “não”, vindo da boca e das lágrimas da minha mãe nunca me saiu da cabeça, assim como aquela criança, o criminoso público, a falta de dinheiro. Naquele momento multiplicaram-se por dois o desespero, a angústia e o medo.
 
E foi ali, naqueles instantes que vi uma flor perdendo a beleza e cair de tanta dor. E o número pequeno (seis) foi maior que o mundo.
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9 de jan. de 2010

Voto não é mercadoria

Eu sou do tipo que condeno o comércio eleitoral por entender que só causa malefícios a população e procria falsários, larápios, gatunos.

Essa de culpar o povo porque ele vende o seu “poder” é uma ladainha da imprensa, dos incautos e dos politiqueiros cansados com a sua própria prática estúpida que os impedem de cumprir o dever de “representar o povo”.

O que ocorreu e ocorre é que o voto perdeu a sua função política, social, ética, moral; tornando-se um bem material, comercializável, pechinchado; o que nos causa vergonha.

Para compreender com maior clareza, faz-se necessário voltar nossos olhos para a fonte primária, isto é, os municípios. Tudo tem início nos municípios, por meio de cabos eleitorais e vereadores. Esses profissionais do comércio eleitoral entendem que o voto é matéria-prima negociável, lucrativa, devendo ser repassada para frente no tempo certo e na hora certa.

Essa negociação se intensifica nos períodos eleitorais, tornando-se uma mercadoria mais cara.

O que na verdade ocorre é um comércio milionário, irresponsável, imoral; configurando-se no banditismo e em práticas ilícitas, caracterizadas pela corrupção e impunidade.

Não se pode culpar o povo por essas práticas mesquinhas, apesar de ele participar delas de forma inconsciente; porque esses politiqueiros entenderam que sem saúde, sem educação, sem emprego; as pessoas se tornam vulneráveis.

Por isso os cofres públicos são assaltados com a ponta da caneta e o povo é julgado por uma parte de si porque concede o “poder” aqueles políticos de ficha suja.

Voto não é mercadoria. É cidadania, dignidade.
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Não seja parceiro da corrupção

A política, feita corpo a corpo, contraria toda e qualquer compreensão sobre o eleitor, sua opinião sobre o voto e como ele encara a corrupção.

A política do corpo a corpo é aquela em que os candidatos deixam as tribunas e gabinetes e se defrontam com os eleitores. Neste confronto, tanto um como o outro, estão dispostos a negociarem. O primeiro sabe que a prática é criminosa, mas se não o fizer não obterá voto e o seu adversário político fará a negociação. O segundo, eivado de vícios, estará disposto a vender, a trocar o voto porque não possui perspectiva de vida, nem de melhorias para o seu município; porque vê os políticos enriquecerem, os corruptos impunes, a Justiça se omitir e a corrupção ser escancarada nos jornais e telejornais de todo o Brasil.

Infelizmente, a maioria dos eleitores não vota pela competência do candidato, pela responsabilidade, por mudanças sociais. Parte dessa maioria não busca saber nem sequer a vida pregressa do seu candidato e, a outra parte, dita mais “culta”; não lhe dedica nenhuma atenção, mesmo quando sabe que essa vida é maculada.

Esse comportamento é típico do eleitor brasileiro, especialmente nas pequenas cidades. Não há necessidade de ser um cientista político para entender isso. Os próprios eleitores se explicam, usando frases desta natureza: Todos calçam quarenta; O erro já vem lá de cima; Quem é que não pega no mel e não se lambuza; O Brasil não tem jeito não e outras tantas que expõem a opinião vinda, não só do povo simples; mais de muita gente que carrega nos dedos anéis universitário.
São opiniões de pessoas descrentes, desesperadas, que não acreditam em si, nos outros. Pessoas que votam baseados no toma lá dá cá de forma cínica e explícita.

Em relação a isso, basta observar o frenesi do escambo e do comércio eleitoral que antecede a semana da eleição. Nessa feira livre o comércio é intenso e há todo tipo de voto: voto fiado, voto de pirraça, voto de favores, voto comissionado e por aí vai.

A corrupção é uma prática tão comum na sociedade brasileira que ela é aceita em todas as camadas sociais. É aceita por comerciantes que investem em campanhas eleitorais para mais tarde emitirem notas frias, tornarem-se marajás; promotores e juízes que se trocam por automóveis de luxo, uísque caro, aluguéis, apartamentos e outras regalias; profissionais da educação que ao invés de combatê-la em sala de aula, sobem em palanques corruptos em busca de migalhas criando na consciência de seus alunos que a corrupção não é crime, que roubar os cofres públicos é dever de casa de todos os brasileiros que possuem a chance de exercer um mandato eletivo ou outro cargo envolvendo dinheiro.

Esses profissionais contribuem para o banditismo político, para o tráfico de drogas, os pedófilos, as gangues e toda espécie de criminoso, pois, são imorais e não se diferenciam deles. Voto, política; é coisa séria. Não se deve brincar com essas coisas.

Não seja parceiro da corrupção, achando que o dinheiro é do “Governo”, que “o Governo fabrica dinheiro”. Seja parceiro de uma nação que precisa crescer e criar seus filhos com dignidade e que esses políticos não passam de simples empregados eletivos e não comerciantes.

É preciso entender que o voto é um bem que não se vende e não se troca. Enquanto o voto for visto como mercadoria, teremos nas câmaras de vereadores, nas assembléias estaduais e no Congresso Nacional uma variedade de parlamentares que só contribuirão para o banditismo e para assaltar de mão armada, digo, de caneta armada os cofres públicos e tirar a própria vida de quem lhes concedeu o poder.
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