Eu toquei a campainha. Ninguém
veio me atender. Então, notei que a porta estava entreaberta. Entrei
silente, dei alguns passos e avistei o professor Lorenzo numa
confortável poltrona. De face serena, degustava com ímpeto o
cigarro e um livro. Nem se importava com a minha presença. Após
alguns minutos, disse:
— O que o
traz aqui?
— As suas
teorias, professor.
— O que
quer saber?
— Sua
opinião sobre os
últimos acontecimentos políticos?
— Ora, os
últimos acontecimentos políticos refletem uma
sociedade que não sabe escolher. De uma população eleitoral
dualista e doente.
— O senhor
poderia ser mais claro sobre o que seriam essas “escolhas ruins”
e essa “população dualista e doente”?
— É
claro! A população eleitoral escolhe de forma ruim quando mercadeja
o voto ou quando vota com raiva e por picuinha. Não leva em conta a
vida pregressa dos candidatos, nem se dar conta que eles são
empregados eletivos, inscritos na Previdência Social. É dualista
porque exige ética, moral, justiça, combate a corrupção, mas
compram objetos piratas, baixam músicas, filmes, livros, software
protegidos por direitos autorais e não se incomodam com isso,
valendo-se de vários pretextos para justificar as suas práticas
ilícitas. Sem falar que no período eleitoral mercadejam o voto.
— Nesse
caso o eleitor brasileiro é um cidadão contraditório, que não
aprendeu a exercer de forma adequada a cidadania. É isso que o
senhor quer dizer?
— Isso mesmo!
— É
necessário que essa população repense as suas práticas, seus
conceitos e vícios. Entender uma coisa simples: eles não são
eleitos por si, nem pelo poder que
emana do povo.
Eles são eleitos pelo poder
econômico.
Eles não representam ninguém e representam a si e os seus
financiadores. Por isso, tantos escândalos. Por isso o impeachment
e
tudo o que ele representa.
— Eles
“não são eleitos por si”, mas “pelo poder econômico”.
Quais os verdadeiros significados dessas frases?
— Eles não
são eleitos por si porque existem eleições a cada quatro anos. As
“escolhas” são dos eleitores num suposto “poder” que vem do
povo. O problema é que o voto da maioria não é coletivo, mas
individualizado, mercadejado. Isso é demonstrado através do poder
econômico onde o voto é simples mercadoria. Essa coisa de querer
solucionar os problemas enxergando as tribunas, formular opiniões a
partir de revistas, jornais tendenciosos, violência é um grave
erro. O eleitor deve formular seus conceitos políticos observando o
espaço onde ele vive e interage. Para isso é necessária uma
reeducação política.
— O senhor
não acha que está trazendo a culpa e responsabilidade para a
população eleitoral de todos os males que vêm acontecendo neste
país, quando na verdade as classes dominantes sempre negaram aos
cidadãos o direito a educação, a saúde e outros serviços
públicos relevantes?
— Esse
argumento é válido em parte
porque o voto é mercadejado em todas as classes, por diferentes
níveis de escolaridade. Por exemplo: o que faz um estudante de
direito fazer esquerdo, isto é, estampar, pedir voto para um
candidato cuja vida política é fraudes e mais fraudes? Veja esses
movimentos que se apresentam anticorrupção, mas dos outros.
— Professor,
sabemos que parte da população vive em condições precárias e, na
maioria das vezes, torna-se o bode expiatório quando o mandato é
ruim. Essa população precisa ser resgatada para que de fato, exerça
a cidadania. Como resgatá-la politicamente?
— Conhecendo-as,
indo aonde elas estão. Ouvindo as suas angústias. Criando núcleos
permanentes de reeducação
política.
— E como seria esses Núcleos
de Reeducação Política?
— Esses núcleos só seriam
possíveis se houver um esforço gigantesco da sociedade civil
organizada não alinhada ao pensamento neoliberal, criando práticas
pedagógicas para reeducar as crianças a partir do ensino
fundamental das escolas, sendo um contraponto aos vícios que elas
trazem do seu convívio social.
— Para concluir esta
entrevista, o senhor tem algo para acrescentar?
— Eu quero
deixar claro o seguinte: eu não estou levantando um estandarte para
as práticas ilícitas, mas questionar o eleitor que critica, cobra;
depois barganha, depois reclama, depois compra produtos piratas,
baixa filmes, músicas e pratica outras coisas ilícitas e percebe
que eles são o espelho de quem os elege. Será que iremos justificar
a prática da corrupção recorrendo a um discurso histórico que não
mais convence? Ou a Freud, como tem gente apontando nessa direção?
E a minha contribuição para o
combate efetivo da corrupção é a criação desses núcleos. É
claro que o efeito não virá de um dia para a noite, mas trará
resultados positivos. Acredito nas crianças e na capacidade de elas
aprenderem que o voto é um bem intangível e por isso, não deve ser
tratado como bem de consumo.
Me calei.
Sem argumento, agradeci pela entrevista, estendi a mão para ele e
fui com a certeza que aquele homem me fez repensar as minhas
opiniões. E tem mais: não havia mácula na vida dele, nem era
simpatizante de algum partido político.
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