Ele estava em minha
frente, sentado, e com um livro a sua esquerda. Como a mente não
aprecia a solidão, foi logo conversando uma coisa ali, outra acolá.
Nisso, tocou em política. Política é um assunto que ultimamente
muita gente não tá sabendo conversar, outras estão enojadas e mais
outras preferem não opinar.
Iniciou a sua fala
pregando a ruptura, ou seja, regime militar. Para ele seria o ideal
para a ocasião; mas sem convicção formada. Era mais um dizendo as
coisas pela força da revolta. Quando ele repousou a língua, eu
tomei a palavra e lhe disse: Não acho que a ruptura seja uma boa
ideia. Ele me interrompeu. A sua língua repousou novamente. Ai
eu continuei: Quero dizer a você porque discordo, não relatando
fatos históricos; mas o que vivi quando criança.
Quando eu e os amigos brincávamos
na rua, tinha um delegado que, quando apontava na esquina, a gente já
sabia: tinha que pegar a bola e correr.
Sabe por quê? Porque era costume dele
cortar ao meio as nossas bolas com uma faca.
Não tendo o que dizer,
mudou de assunto. Disse que esteve na Caixa outro dia e viu os
servidores de barbicha, cabeleira e tatuado. Para ele, aquelas
pessoas não deveriam estar ali. Elas não estavam de acordo,
apresentável. A minha resposta foi esta: Estamos em outro tempo.
As coisas e as pessoas mudaram. Ele insistia que
aqueles servidores não estavam apresentáveis, que deveria acontecer
uma ruptura.
Em seguida, fez duras
críticas aos alunos da rede pública e os qualificou como maconheiros, que não tavam nem aí para os estudos e que fazia medo
até aos professores. Para ele, era necessária a presença da
polícia nas escolas para coibir o mal que está se alastrando pelo
país.
Reclamou que a família
estava desestruturada e que não era obrigação da escola educar. A
escola era um mero passador de conteúdo. Apegou-se a isso,
desconsiderando a formação social do nosso país de abandono e
exclusão.. Exaltou a educação no tempo do regime, mas eu não dei
importância para isso. Eu sabia que o regime não foi grande coisa
na educação.
De face atordoada, ele
se foi. Quase era atropelado por uma bicicleta. Disse impropérios ao
ciclista e finalmente sumiu da minha vista, ao virar na esquina.
Falou muito. Ouviu
pouco. Pensa menos.
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