I
Laura estava sentada
numa cadeira de balanço. Nela, observava
os caibros serrados, as telhas avermelhadas e as ripas alinhadas. A sua volta havia um sofá, uma estante e a TV que
Fernando costumava assistir desenhos
em sua companhia.
Levantou-se,
guiou o corpo cansado pelo corredor, foi à cozinha, tomou um copo d’água e saiu
pela porta do fundo, aspirou o ar e sentiu alegria em seu coração enrugado.
Dirigiu-se as plantas e riu com as acrobacias que as borboletas faziam sobre
elas. Aproximou-se de um hibisco e, nas pétalas de uma das flores, formigas
sedentas formavam ao redor de uma gota d’água o sol, desses que as crianças
costumam desenhar. E num talo da
roseira uma joaninha passeava, fazendo-a
lembrar dos vestidos de chitas quando ela era moça.
Retornou
para casa e se deteve alguns instantes na
porta sem querer deixar
aquele mundo de carne verde. Entrou, pegou
um jarrinho de porcelana, encheu de água e colocou nele a flor que trouxera e o
dispôs no centro da mesa. Em seguida, foi na direção do seu quarto.
Diante
do espelho penteava os cabelos enrugados e pensava: “Por que a cor branca é
sinônimo da velhice, do cansaço, do reumatismo e da broquice; se o branco das
nuvens brilha com a
luz do sol e elas se renovam quando o céu
tá estiado?”. E ficou por ali com aquelas reflexões.
Em
seguida, pegou pó para passar no rosto, mas desistiu. Passou
um batom suave nos lábios e sentiu-se melhor. Levantou-se, pegou a bolsa,
caminhou pelo corredor e abriu a porta da frente.
— Tia, a senhora vai prá onde?
— Eu vou dar uma voltinha. Quer ir
comigo?
— Não posso. Tenho que terminar o
exercício da escola.
— Então vá pra você não levar umas
broncas de seu pai.
Do Portão espiava um carro que
soltava fumaça rua a fora, um moleque que passou
piruetando pelas calçadas de patins, um homem que caminhava com a face enfiada
no jornal.
Na rua, o sol era forte. Ela começou a sentir
uma fadiga no peito e resolveu parar debaixo de uma árvore e descansar. Em
seguida, entrou numa sorveteria, comprou alguns doces e saiu. Ia atravessando a
rua e um carro freou nos seus pés, deixando-a em estado de Choque e, por causa
dele, tomou muita garapa.
Depois de recuperada, sentou-se
num banco que ficava em uma praça cheia de crianças que brincavam soltas como o
vento, alegrando as vendas do pipoqueiro. Sentada numa posição singela, Laura
correspondia aos acenos dos conhecidos que por ali passavam. Resolveu voltar
para casa. Com o pacotinho de doces na mão, atravessou a rua com cuidado e se
foi.
Em casa, deixou o pacote de doces
no quarto de Fernando. Em seguida foi à cozinha, lavou as mãos na pia e
sentou-se a mesa. Espiou a flor, tocou nela e se alegrou. Apesar do choque,
ainda estava viva para poder regar suas plantas todas as manhãs e tardes.
Aquele estado doce de alegria lhe fez esquecer aquele incidente que quase
levara sua vida.
— Tia, eu já tava preocupada com a
senhora! Já ia telefonar pro Paulo.
— Minha filha, eu só fui dar uma
voltinha bem aqui perto. Se eu ficar dentro de casa, vou me sentir como uma
coisa; sem nenhuma serventia.
— Eu sei. Mas a senhora saiu que
eu nem vi!
— É verdade! Você tava no banho.
— A senhora promete que da próxima
vez avisa, né?!
— Não se preocupe minha filha. Eu
aviso.
Pretinho se aproximou, roçou seu
corpo nas pernas de Laura. Ela o pegou nos braços e sentou-se na preguiçosa. No
colo, a egípcia, Pretinho ficava com os olhos semicerrados por causa do cafuné
que ela lhe fazia.
LIMA, Ronaldo Pereira de. Laura. Editora Diário Oficial, Aracaju, 2011.
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