3 de abr. de 2011

A espectadora


            Carregava no corpo o cansaço que se acumulou durante seus setenta e cinco anos. Anos estes nada fáceis: sofreu passivamente com os insultos das raparigas, dos bafos incontáveis de cachaça e com os partos complicados.

O corpo, acomodado, não recepcionava as novas tecnologias como muitos da sua idade. Feito uma gata, esparramava-se no sofá, cochilava; depois vai para a cama, fica por lá algum tempo e senta-se numa confortável cadeira. De lá ocupavam os dedos com as bolinhas do terço, mas os olhos estavam voltados para os movimentos da rua.
A reza acabou. Os olhos deixaram à rua e os filhos apareceram em sua mente; um por um. Eles eram a sua mais séria preocupação.  Intrigas, fofocas, ciúmes, calúnias. Mesmo assim conviviam indiferentes e hipócritas. Esses fatos a entristeciam a ponto de suplicar no silêncio a morte. Uma lágrima envelhecida umedecia os sulcos da face.
Ela pensava: Eu os pari. Cuidei deles com amor, carinho. Fiz de tudo para eles estudarem, arranjar emprego. Quando o pai era vivo, todos vinham para as festas que ele fazia. Hoje, sumiram. Às vezes é que aparecem. E quando aparecem é para mim fazer raiva. Eu deveria na minha velhice ter era paz, sossego e não tanto sofrimento.
Esses eram os pensamentos que lhe causavam angústia, pois, via-os tomar cada um o rumo de sua natureza. Lamentava o seu estado deplorável. Faltava-lhe vigor para interferir como dantes, deixando o simples lugar de espectadora e interferindo em suas vidas, seus destinos. Hoje, ela não passava de uma simples espectadora das preocupações que seus filhos lhe causavam.
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